São Josemaria face ao aparente silêncio de Deus

Apresentamos um artigo publicado na revista da especialidade ‘Fila 7’ que analisa o filme em que São Josemaria aparece a ensinar o sentido da dor, como aprendeu a perdoar e a sua reacção face a situações injustas e incompreensíveis que soube encarar segundo a lógica de Deus.

Apresentamos um artigo publicado na revista da especialidade ‘Fila 7’ que analisa o filme em que São Josemaria aparece a ensinar o sentido da dor, como aprendeu a perdoar e a sua reação em face de situações injustas e incompreensíveis que soube encarar segundo a lógica de Deus.

O realizador de A Missão escreve o argumento e realiza com mestria um drama histórico que se passa em Espanha durante a Guerra Civil. Data da estreia mundial: 25 de Março.

Joffé volta a ser relevante

Alberto Fijo | O título condiz bem com esta história trepidante de amor e ódio, de rancor e perdão, uma viagem de muitos anos onde há dragões que aparecem aos homens e mulheres que procuram o sentido e a esperança num mundo que parece estilhaçar-se.

R. Joffé disse que “quando o amor acaba fica um vazio que pode ser preenchido com coisas muito desagradáveis”. São assuntos que já abordou nos melhores filmes do seu percurso irregular como cineasta, que começa de maneira enérgica com o detentor de um Oscar Terra sangrenta (1984) e com A Missão, vencedora em 1986 da Palma de Ouro em Cannes.

25 anos depois de estrear A Missão, esta história, a primeira que R. Joffé escreve só, é e não é surpreendente. Elaborada de uma maneira inteligente, com personagens muito vigorosas e um argumento estimulante, apresenta um conflito que atrai, um conflito, um mistério que – como espectadores e como pessoas, religiosas ou não – sempre nos apaixona: por que razão o amor é tão poderoso, por que razão acaba sempre por vir à superfície como uma rolha de cortiça rebelde?

Duas maneiras de encarar as mesmas situações injustas

Amigos de infância, Josemaria e Manolo crescem em pleno século XX numa cidade de província em Espanha. A vida une-os e separa-os num país envenenado que se precipita paulatinamente para a Guerra Civil. Partilham os acontecimentos que a vida lhes depara, mas encaram-nos de maneiras diversas. “Nascemos e morremos sós”, diz Manolo com um estoicismo trágico. “Não necessitei de aprender a perdoar, porque Deus me ensinou a amar”, dirá Josemaria, fundador do Opus Dei, relembrando a aventura da sua vida.

R. Joffé é inglês e a sua aproximação à personalidade de Josemaria Escrivá (1902-1975) e a algumas das circunstâncias que viveu durante a Guerra Civil é muito inglesa; parece-se ao que fez em A Missão com o roteiro de Roberto Bolt. Por isso não surpreende que seja atraído pela história de Josemaria Escrivá, um padre jovem e entusiasta, sonhador e apaixonado, que iniciara em Madrid nos turbulentos anos 30 uma atividade de índole cristã com um punhado de estudantes que o seguiam convencidos de que com o seu trabalho podiam construir um mundo melhor.

À qualidade de um espetacular plano de produção (por detrás há três vencedores de Oscar que recriam um período de 80 anos, com um orçamento de 26 milhões de euros), à beleza da execução do filme (a fotografia e a montagem são de grande qualidade, a música de Warbeck – Shakespeare in love – resulta), se junta um naipe luxuoso de atores muito bem dirigidos com Charlie Cox (Stardust) e Wes Bentley (300) à cabeça de uns excelentes atores secundários, entre os quais se contam os espanhóis Jordi Mollá, Unax Ugalde, Ana Torrent, e ainda Géraldine Chaplin.

Os perfis de pessoas que deixou a Guerra Civil espanhola

O que surpreende é a maneira como Joffé trata esta história, em grande parte baseada em fatos reais… Poder-se-ia pensar que sem a produção de Puttnam, sem a fotografia de Menges, e a música de Morricone, Joffé se estava a apagar. E reencontramo-lo em plena forma com um filme magnífico. Não nos dá um biopic comum, não passa ao lado de assuntos verdadeiramente importantes, mas também não se detém desnecessariamente, não pretende explicar uma Guerra Civil em que todos perderam. Aprecio que, sem esse didatismo pueril tão difundido, mostre que houve gente que melhorou, que lutou de boa-fé, que se aferrou ao ódio, que aproveitou para miseravelmente ajustar contas, em suma, uma barbárie vermelha e azul, à esquerda e à direita, num país capaz do melhor e do pior.

Joffé a e sua equipa – porque o cinema é um trabalho de equipa, para o bem e para o mal – conseguiram um grande filme, comovedor e apaixonado, pensado para um público muito alargado. Uma história com nuances, sem preconceitos, contada por um inglês de 66 anos, judeu, de esquerda e agnóstico, que apresenta coisas que não se esperam. Sobretudo quando se é espanhol, tão dado ao ‘preto no branco’, ao “isto é assim porque o digo eu, e não me venham com histórias”.

“As guerras civis são terríveis porque são lutas de família. Como nas guerras civis, os membros de uma família tomam partido e zangam-se; velhos ressentimentos convertem-se em fontes de ódio. Encontrarás dragões * fala de dois tipos de guerra civil. Quando as pessoas o virem, penso que se darão conta de que todos temos a oportunidade de nos deixar levar pelos nossos ressentimentos ou de encontrar um modo de vencê-los”, afirma Roland Joffé.

O perdão é possível

“Queria fazer uma história centrada naquilo que o amor traz ao mundo, e mostrar o que sucede no mundo quando falta o amor. O perdão é possível, aquilo que parecem atos sem sentido é capaz de gerar respostas que levam à cura. A infinita possibilidade de perdoar é o que deixa espaço à esperança. Mas o preço é alto: exige esforço, disciplina, vontade, e a decisão de não se deixar arrastar pelo clima popular reinante”, aponta o realizador.

Finalmente, “julgo que a representação de Josemaria que apresentamos, do seu carinho e sentido de humor, que indubitavelmente tinha e que se desprende dos acontecimentos da sua vida, se aproxima do que foi na realidade. Penso que houve momentos durante a guerra civil em que Josemaria esteve mergulhado na dúvida mais terrível, no que parecia ser o silêncio de Deus, as pessoas morriam e o trabalho da sua vida parecia malogrado".