Quais são os seus dragões?

Todos somos capazes de vencer os nossos dragões: o ódio e o desejo de vingança. De facto, talvez seja esse o principal tema do filme: perante o mal do mundo, o sofrimento, cada um pode reagir, de modo pessoal e encontrar-lhe sentido.

Trancrevemos um artigo de Maria Amélia Freitas, mestre em Ciências da Educação, em que a autora analisa o filme "Encontrarás Dragões":em primeira pessoa

“Acabo de ver o filme "Encontrarás Dragões". Não percebo muito de cinema, mas sei quando gosto de um filme, quando me faz pensar. Há aqueles que me tocam, me afectam e me fazem mesmo chorar, apesar de não ser propriamente frio ou cerebral…

Sei que este filme tem música, uma música que me acompanhou durante toda a projecção, mas que não seria capaz de trautear. Sei que tem algumas cenas de ficção total, outras que tentam aproximar-se do que teriam sido os factos reais e outras que são pura imaginação. Não é um filme sobre São Josemaria. Na verdade, tenho a impressão de que aparece pouco. E o actor parece-me perfeito: simpático, super-simpático, humano, bom, corajoso, simples, humilde, santo. Também não é um filme sobre a Guerra Civil Espanhola: as cenas poderiam perfeitamente passar-se em muitas outras datas ou ambientes. (…)

Acho que é um filme sobre essa personagem que dizem que não é real: Manolo Torres. Mas é real, sim: Manolo sou eu. Sou eu, que conheço Josemaria Escrivá e que o ouvi a dizer-me coisas, mas não lhe faço muito caso. Sou eu, que, apesar de saber onde está o bem, não estou para o procurar. Sou eu, que guardo ressentimentos, eu que sou egoísta e invejoso, eu que faço coisas más, que me atraiçoo por vezes até a mim mesmo... mas que, no fundo, procuro Deus, porque preciso d’Ele, porque é a única maneira de me livrar de mim mesmo.

Espero que o final da minha vida também me apanhe com o Terço nas mãos, com a recordação de S. Josemaria, com o amor de todos aqueles a quem magoei. E com o perdão de Deus”.

Encontrei este testemunho entre os comentários de não sei já que blog e guardei-o, porque me chamou a atenção para este último filme de Roland Joffé “Encontrarás Dragões” que estreou no nosso país, no passado dia 19 de Maio. O realizador, produtor e guionista é conhecido por obras como “Terra Sangrenta” (1984 – 3 Óscares) passado na guerra do Cambodja , “A Missão” (1986 – Palma de Ouro em Cannes) sobre dois missionários jesuítas no Paraguai ou “A Cidade da Alegria” (1992), uma história de um médico em Calcutá.

“Encontrarás Dragões” não seria nunca um trabalho fácil. Filmes em que entram santos nunca são fáceis. Desiludem a maior parte das vezes, como nos acontece ao ouvir a gravação da nossa voz ou ao ver o retrato de uma pessoa que conhecemos bem. Neste caso, tratava-se de descrever um santo que foi filmado dezenas de vezes e de quem se sabe qual a inflexão da voz, as expressões, os gestos. Por isso, o fui ver de pé atrás e sem esperar muito do resultado.

Em traços largos, a acção começa com Robert (Dougray Scott), um jornalista que, ao investigar a figura do fundador do Opus Dei para escrever uma longa reportagem, descobre que seu pai, Manolo (Wes Bentley), com quem não tem contacto há oito anos, foi amigo de Josemaria Escrivá (Charlie Cox) durante a infância. A história destes 3 personagens corresponde a outros tantos planos narrativos, mas como refere Abileyza (Geraldine Chaplin) - “Não se pode compreender uma vida isolada… É como esse bordado que estás a fazer; só se percebe depois de terminado” - a vida de cada pessoa entretece-se com a das outras, pelo que cada personagem ganha uma ressonância própria, uma atitude única perante a História.

É também o que pensa a escritora italiana Susanna Tamaro, autora do romance "Vai onde te leva o coração", traduzido em mais de 35 idiomas, ao considerar que o filme está "muito bem dirigido e é muito eficaz, do ponto de vista dramatúrgico (…) A decisão de narrar a história seguindo vicissitudes opostas de dois amigos de infância permite destacar a importância da liberdade que Deus nos deu para aumentar o mal no mundo ou tentar que diminua."

Roland Joffé, sendo conhecido como homem de esquerda, judeu e agnóstico, confessou que a frase de Josemaria que mais o impressionou foi a seguinte: "Todos nós somos santos em potência", ou seja, todos somos capazes de vencer os nossos dragões: o ódio e o desejo de vingança. De facto, talvez seja esse o principal tema do filme: perante o mal do mundo, o sofrimento, cada um pode reagir, saboreá-lo - na expressão de Honório (Derek Jacobi) - de modo pessoal e encontrar-lhe sentido.

Publicado em "Diário do Minho"