Procurava a beleza e encontrei Deus

Tinha 25 anos quando fiz as malas e parti para Valência. A desculpa era fazer um mestrado em Arquitetura. Digo “desculpa” porque na realidade o meu objetivo era partir, não importava para onde. Não era feliz e precisava de mudar. Nunca imaginei que a mudança seria tão grande.

Um caminho desfocado

Nasci numa família cristã. Tenho vagas recordações de ter rezado o terço com a minha avó e de levar flores ao sábado a uma imagem de Nossa Senhora. Há pouco tempo encontrei anotadas algumas frases do Evangelho que não me lembrava de ter escrito, também encontrei numa gaveta o livro “Caminho” de S. Josemaria, que talvez tenha lido em menina, mas, é claro, sem o entender.

Durante os últimos anos no colégio, sentia um desejo de servir a Deus, mas paradoxalmente sentia ao mesmo tempo a necessidade de estar bem metida no mundo.

Durante os anos na universidade as coisas foram piorando. Vivia só e em completa liberdade. Faltavam-me razões e doutrina para me apoiar naquilo em que acreditava. Não era minha intenção afastar-me, mas sem me dar conta fui deixando tudo. Muitos anos sem me confessar, muitos meses sem ir à Missa. Os hábitos que tinha adquirido em pequena foram-se perdendo e um dia aconteceu que estava completamente longe de Deus. O caminho tinha ficado desfocado.

Procurava mais

Mas Deus foi-me procurando à sua maneira, através de aspetos que tinham muito significado na minha vida e aparentemente nada tinham a ver com Ele. Sempre tive gravado na memória o conselho do meu avô: “Estudar, estudar, estudar.” E escolhi a carreira de Arquitetura. À medida que avançava nos estudos, crescia cada vez mais a necessidade de expressão, de transmitir algo mais profundo, de descobrir a beleza, de procurar a harmonia, a ordem, a composição. No fundo sabia que havia algo para descobrir e que, aos meus olhos, estava completamente oculto. Decidi-me a procurá-lo e pus todo o empenho na minha carreira.

Foi durante esses anos que um amigo me disse: “Sonham muito, mas afinal não fazem nada.” E para terminar acrescentou: “Quando olhas para o céu, dás graças a Deus?” Com essas duas “frases” na mochila e, convencida de que precisava de me ir embora para poder mudar, fui para a Espanha. Tinha duas ideias claras: que queria aprender para ajudar outros, por isso escolhi um Mestrado em habitação social e sustentabilidade; e que devia dar graças a Deus. Não tinha ideia de como ia fazer o último.

Parti com o desejo de conhecer o mundo e experimentar a liberdade de fazer o que queria. Seguindo esse impulso, nos tempos livres que o Mestrado me deixava, dediquei-me a viajar. Movia-me a busca da harmonia entre a arte e a arquitetura; ao mesmo tempo, não desaproveitava nenhuma oportunidade de me divertir. Recordo que, estando em Mikonos, uma ilha da Grécia, ao fim de um dia que qualquer pessoa teria chamado perfeito, me perguntei: “É isto a liberdade?” Nessa ocasião já tinha feito quase tudo o que queria, contudo sentia-me vazia. Mas continuava a procurar.

ESTANDO EM MIKONOS, UMA ILHA DA GRÉCIA, AO FIM DE UM DIA QUE QUALQUER PESSOA TERIA CHAMADO PERFEITO, ME PERGUNTEI: “É ISTO A LIBERDADE?” NESSA OCASIÃO JÁ TINHA FEITO QUASE TUDO O QUE QUERIA, CONTUDO SENTIA-ME VAZIA.

Andava à procura em Marrocos, com a minha amiga Deb, do Brasil, quando perguntamos ao recepcionista do hotel como rezavam os muçulmanos e se podíamos ir incógnitas a uma mesquita. Respondeu-nos que não, por uma questão de respeito, mas podíamos levantar-nos às 5h da manhã, porque ele rezava no terraço ao chamamento do Imã. Andava à procura em Veneza, admirando a sua arquitetura e o que o homem consegue fazer. E andava à procura em Lanzarote, em Milão, nas mil e uma saídas com amigos que ia conhecendo, paisagens que ia encontrando… E uma vez mais, houve uma frase: “És uma frívola”, disse-me uma amiga colombiana que viajava comigo. Senti-me derrotada. Tinha consciência de que fazia certas coisas mal, mas se havia algo que não me achava era frívola. Ela tinha razão, não estava a cumprir o objetivo da minha viagem que era mudar, dar à minha carreira uma dimensão social, procurar o sentido mais profundo do que fazia. Graças a Deus, nesse momento alguém me procurou a mim.

Uma encruzilhada de caminhos

Recebi um telefonema do meu tio que vive em Madrid. Proporcionava-me uma entrevista de trabalho com uma arquiteta que conhecia. Nessa altura estava a uns meses de terminar o Mestrado. Não duvidei e parti para Granada.

Logo que entrei no estúdio de Loreto, a arquiteta conhecida do meu tio, compreendi que estava no lugar certo. À decoração do lugar, aos projetos que faziam e à visão com que trabalhavam, juntava-se algo essencial: o carinho de Loreto. Senti-me imediatamente bem-vinda. Queria começar a trabalhar nesse mesmo dia. “Vais ter de esperar, porque no dia 15 de Julho vou fazer o Caminho de Santiago”, disse-me ela. O Caminho de Santiago! Coincidia exatamente com a data em que terminava o Mestrado. Era um dos locais em aberto nesta viagem, e, se até agora não o tinha feito, era porque não tinha tido quem me acompanhasse. Perguntei a Loreto se podia ir com ela e ela aceitou sem condições. Tudo se coadunava de modo incrível: num dia consegui arranjar trabalho e a companhia de que estava a precisar para fazer o Caminho. “Esta é a parte da viagem em que agradeço a Deus”, pensei. Porém Deus foi mais ambicioso, e essa foi a parte da viagem em que me conquistou.

“Que eu odeie o pecado”

Subi para um autocarro com um grupo de 40 raparigas. Muitas delas participavam nas atividades de Alsajara, um Colégio Maior dirigido por algumas pessoas do Opus Dei. Nessa altura fiquei sabendo que Loreto era da Obra. Percebia muito pouco sobre o Opus Dei, mas tanto se me dava, estava a concretizar a meta de fazer o Caminho. Não esperava mais do que isso.

Paramos para dormir numa Escola de Formação Agrária, que também é uma obra corporativa do Opus Dei. No primeiro dia alguém me disse que havia um sacerdote disponível para confessar. Vi a porta do confessionário aberta e, sem duvidar, entrei. Algo a que durante anos tinha resistido parecia-me agora absolutamente necessário. No dia seguinte o sacerdote dirigiu uma meditação ao grupo. A certa altura, disse umas palavras que durante esses dias voltaram constantemente à minha memória: “Que queiramos odiar o pecado”. Sem me dar conta repetia-as por dentro enquanto caminhava. Pensava no que tinha sido a minha vida até então e, como música de fundo, escutava: “Que eu odeie o pecado…”. Estava rezando, estava pedindo a Deus que essas palavras se fizessem realidade na minha vida. Estava pedindo-lhe que me ajudasse a mudar, para isso tinha feito as malas. “Que eu odeie o pecado…”.

Além das meditações, tínhamos a possibilidade de assistir à Missa todos os dias. Para mim a Missa era algo que existia só ao domingo, não sabia que se celebrava nos outros dias. Desconhecia a ação de graças, esses momentos de intimidade após receber a Eucaristia. Observava surpreendida a maneira como as outras raparigas se ajoelhavam em frente do Sacrário. Nada disso me parecia exagerado, admirava-me e queria vivê-lo. Por outro lado, isso me superava, sentia-me incapaz. Pensava que ia voltar à minha rotina de sempre e não conseguiria mudar de vida.

Finalmente chegamos a Santiago de Compostela e entramos na Catedral. Uma a uma demos o tradicional abraço à estátua de pedra do Apóstolo S. Tiago. Quando chegou a minha vez, abracei-o com força e pedi-lhe, ainda com mais força: “Que eu odeie o pecado”.

Onde o céu e a terra se unem

Comecei a trabalhar e tornei-me amiga de Loreto. Partilhávamos a ideia de encontrar a beleza na arquitetura. Ensinou-me a unir esta busca com o fazer bem o meu trabalho, até ao fim.

Por outro lado, divertíamo-nos muito, transportando de moto material das obras ou visitando exposições de arte. Passeávamos observando e contemplando. Admirávamo-nos com o que Deus faz e com a contribuição do homem. Loreto levava-me até Deus e eu não me dava conta disso.

A harmonia entre Deus e o meu trabalho tornava-se cada vez mais natural para mim, e via que era esse o conteúdo da minha busca. Durante todo esse tempo tinha procurado viver assim, na presença de Deus. Como boa parte da minha infância vivi em contacto com o campo, penso que isso influi na minha facilidade de contemplação. Por isso compreendi bem, quando li pela primeira vez estas palavras de S. Josemaria: “Na linha do horizonte, meus filhos, parecem unir-se o céu e a terra. Mas não; onde se juntam deveras é nos vossos corações, quando viveis santamente a vida de cada dia.”

Pouco a pouco, perdi o medo de não poder manter esta mudança de vida, porque notava que se tratava de uma vida autêntica. De todos os modos, via que necessitava muito de acompanhamento nesta nova etapa, e procurei-o na formação cristã que me oferecia o Colégio Maior Alsajara.

Da atração à decisão

Durante o tempo em que trabalhei em Granada vivia com uma prima em Monachil, uma aldeia na periferia dessa cidade. Devido à distância que tinha de percorrer, não era fácil assistir aos meios de formação em Alsajara, mas a meditação tinha-se tornado imprescindível na minha vida, bem como conhecer melhor a minha fé, os momentos de oração… Sobretudo a Missa, não podia viver sem a Missa. Lembro-me de uma tarde em que, com a minha prima, participávamos nuns exercícios de yoga dirigidos por umas hippies na praça da aldeia. De repente comecei a ouvir os sinos da igreja e não resisti, certamente ia haver Missa. Sem dar qualquer explicação levantei-me e corri para a igreja. Efetivamente estava prestes a começar a Missa, e aí fiquei.

Por trás dessa atração havia algo, ou melhor, Alguém. Já não podia conceber a minha vida sem Deus. Notei-o com força quando fui a Istambul. Fui com grande entusiasmo, porque a arquitetura islâmica continuava a atrair-me e, por outro lado, ia ver os restos do que foi Constantinopla. Mas foi grande o meu desencanto, as mesquitas eram um lugar imponente para rezar, com uma decoração muito rica, mas Deus não estava ali. A antiga Santa Sofia, primeiro igreja, depois mesquita, agora museu, estava vazia de sentido. O centro da minha atenção já não eram os edifícios, mas Quem os habitava.

Com este tipo de experiências interiores, notava que Deus me pedia algo, mas não sabia o quê. Pensava que a vocação para o Opus Dei era uma honra que não merecia, mas estava claro que era esse o caminho que Deus tinha ido traçando. E em 11 de fevereiro de 2011 escrevi ao Prelado pedindo a admissão na Obra.

DE REPENTE COMECEI A OUVIR OS SINOS DA IGREJA E NÃO RESISTI, CERTAMENTE IA HAVER MISSA. SEM DAR QUALQUER EXPLICAÇÃO LEVANTEI-ME E CORRI PARA A IGREJA.

“Bom caminho”

Ao longo do Caminho de Santiago, é tradição que os peregrinos aponham selos na sua credencial em diversos lugares. Cada selo certifica os seus passos até ao túmulo do Apóstolo. “Bom caminho”, costumam dizer os que se ocupam da colocação dos selos.

Ia por “bom caminho”, penso quando percorro com a memória o meu caminho pessoal. A busca da beleza, o desejo de servir, a paixão pela arquitetura, a unidade entre trabalho e contemplação, a necessidade de referir tudo a Deus… e finalmente o chamamento a uma entrega total. No meu encontro com o Opus Dei, Deus colocou o seu selo, o selo com que confirmou que durante todo este tempo Ele me tinha levado por “bom caminho”.

Josefina Calvente, arquiteta, Argentina