O santo e os dragões

Encontrarás Dragões entra numa longa e multicolor lista de películas de que a Guerra Civil espanhola é o tema ou o cenário. Mas o filme tem outras histórias.

Jaime Nogueira Pinto analisa o filme no Semanário "O Sol"

Jaime Nogueira Pinto

Encontrarás Dragões entra numa longa e multicolor lista de películas de que a Guerra Civil espanhola é o tema ou o cenário. Mas o filme tem outras histórias.

Roland Joffé (realizador de The Mission e Killing Fields) encontra aqui Josemaria Escrivá de Balaguer (no filme, Charlie Cox). E a partir dele vai contar uma história, melhor três histórias.

Fá-lo recorrendo a um companheiro e amigo de infância do Santo, de nome Manolo (Wes Bentley), um jovem rico e sem escrúpulos, que será ‘o mau’ da fita, enquanto Josemaria é ‘o bom’.

A outra história é a perseguição à Igreja Católica: a Frente Popular espanhola e os seus elementos mais anticlericais – franco-mações, anarquistas, socialistas e comunistas – tinham uma suspeição e uma consequente hostilidade em relação aos católicos e ao clero católico, que viam como agentes da reacção.

Essa suspeição traduziu-se, depois da vitória da Frente Popular, em Fevereiro de 1936, em assaltos, queima de igrejas e brutais descriminações.

A partir do levantamento militar de Franco de 18 de Julho, passou-se à perseguição sistemática na zona dominada pelas esquerdas: segundo os estudos de Mons. António Montero, o especialista na matéria, foram ali assassinados mais de sete mil religiosos – bispos, padres, monges, freiras.

Josemaria Escrivá, que fundara a Opus Dei em 1928, foi obrigado à clandestinidade em Madrid. Ele e os seus companheiros da Obra vivem como os cristãos primitivos nas catacumbas: celebram a Eucaristia, baptizam, confessam e administram os sacramentos, clandestinamente.

O filme transmite bem esta dimensão do risco que vem da paixão do amor de Deus e do próximo, como rosto e imagem de Cristo. E ainda melhor a infância e a adolescência do santo em Barbastro. A figura de Escrivá é sempre dada com atenção, sobriedade e autenticidade.

Já o mesmo não se pode dizer de outros personagens da história, como as duas mulheres: Ildiko (Olga Kurylenko), uma passionária húngara das Brigadas Internacionais, que tem uma ligação e um filho do chefe anarquista Oriol (Rodrigo Santoro, que se espera não pretenda encarnar Durruti!), um filho que acaba por ficar sem pai nem mãe e ser criado e adoptado por Manolo.

Este filho é Robert (Dougray Scott) que vem a Espanha, muitos anos depois da guerra, investigar a vida de Josemaria Escrivá. E que descobre ter sido conterrâneo e amigo do seu pai, Manolo, com quem Robert está em péssimas relações. Com Robert vem a noiva Leila (Golshifteh Farahani), outro personagem feminino, e outro flop.

Mas é nesta parte da vida de Josemaria que, graças a Deus, se salvam todos. E é também aí que o filme acaba por encontrar um fio, uma história, um destino. A história de um perdão. Por isso, uma história de Cristo, uma história cristã.

Robert e Manolo vão encontrar-se e depois reencontrar-se, in extremis: um, descobrindo um pai que não é ‘biológico’, mas que foi pai, pelo tempo e pelo amor. O outro reencontrando a paz na esperança que nasce da expiação. Josemaria, vivo e morto, acaba por ser quem os vai unir. E ficam duas ‘mensagens’: todos podemos aspirar e buscar a santidade, e todos também podemos chegar à redenção.

Foi só pena que o realizador, além de umas cedências à correcção política (para quê pôr os oficiais legionários com um alemão, tão antes da guerra civil?), tivesse querido ocupar-se de tantas coisas e não se centrasse mais na história principal em si tão rica.

Mas, para quem se confessa agnóstico, ele percebeu e respeitou a dimensão da fé e da crucificada imitação de Cristo na vida dos cristãos. E apesar de usar e abusar de clichés, contou bem o reencontro e o perdão. Por isso vale a pena ver estes Dragões.