O Cálice de latão

São Josemaria explica porque usamos cálices e ambulas de metais preciosos para a Eucaristia. Destinar o melhor para o culto é manifestação concreta de desprendimento real dos bens terrenos, de aceitação rendida do domínio divino sobre as coisas criadas, de espírito de adoração e de piedade.

Roma, 7 de outubro de 2002. Dom Javier Echevarría celebra a Missa de ação de graças pela canonização de Josemaria Escrivá com o "Cálice de latão"

Era uma manhã de Domingo, em Junho de 1974, no Teatro Coliseo de Buenos Aires. Mal tinha começado a conversa, quando um homem daquela terra, com um sorriso nos lábios e um gesto de bom humor, tomou a palavra:

— Quando um íntimo amigo meu se ordenou sacerdote, ofereci-lhe um cálice de ouro. Alguns outros amigos, católicos, disseram-me que esse presente não tinha sentido social, ou que eu não tinha sentido social. Por outro lado – e não ria com isso – temos lá em casa uma cadela que nos custa bastante manter. Nenhum amigo meu me disse que me falta sentido social por isso. Eu gostaria que o Padre me dissesse a sua opinião sobre o cálice e sobre a cadela.

As pessoas que lotavam o teatro riram com a pergunta, mas ficaram sérias e voltaram a rir, com a resposta:

“Eu, que celebro habitualmente com um cálice de latão, gostaria de usar todos os dias um cálice de ouro e me pareceria pouco. Deus o abençoe porque você deu um pouco do seu carinho ao Senhor. Fez muito bem! Basta ler o que o Senhor dispunha no Antigo Testamento, e como tudo tinha de ser de ouro. Tudo de ouro! Agora, qualquer coisa lhes parece demais para o Senhor, e demasiado pouco para eles. Algumas pessoas tornaram-se egocêntricas, miseráveis; não pensam senão em si mesmas. E para nosso Senhor querem o sacrifício de Caim. Repete-se a história. O bom filho sacrifica o melhor, o ouro, o que puder, o que mais lhe custar. Os outros quereriam dar-lhe o barro, a miséria.

E quanto ao cãozinho, lembra de São Francisco de Assis. E console-se e continue a tratar bem a sua cadela. Porque trataríamos mal os animais? Se você tem coração para um animal, eu sei que o terá maior para o seu semelhante. Que qualquer pessoa necessitada encontre o seu coração aberto e a sua mão dadivosa. Deus o abençoe”.

Não era a primeira vez que Mons. Escrivá se referia a esse cálice de latão. “Eu celebro todos os dias – tinha comentado em outra ocasião – desde há muitíssimos anos, com um cálice que custou trezentas pesetas. Acontece-lhe uma coisa semelhante ao que acontece comigo; as pessoas veem-no e dizem é de ouro? Mas é pura aparência. Quando se desarma, com uma sinceridade total, lê-se em letras bem grandes: latão!

Todo o encanto desse cálice se deve às mãos que lhe deram a forma e o recobriram com um finíssimo banho de ouro. No entanto, o ourives teve a honradez de fazer constar que o tinha feito com metal corrente, gravando a palavra latão num lugar escondido, mas acessível. Acabou tão bem a sua obra, que à primeira vista, nem sequer uma pessoa entendida, poria em dúvida a riqueza do vaso sagrado. É preciso desarmá-lo e vê-lo por dentro para descobri-lo. Só a copa é de prata, segundo as disposições litúrgicas. Toda uma lição de sinceridade, de naturalidade, de amor ao que é autêntico, genuíno, que levava também o fundador do Opus Dei à humildade: “Quando na Santa Missa levanto o cálice, depois da Consagração, vejo nele uma imagem da minha pobre vida: das lutas, das vitórias e das derrotas. As vitórias são dele, de Cristo; e as derrotas são minhas”.

Com essa confiança em Deus, as misérias nunca podem levar à inquietação ou à tristeza. Nas mãos de Deus Pai compreendemos a lição desse cálice, que “não engana ninguém parecendo de ouro, porque diz aos gritos: latão!”

E então surge o propósito:

“Sejam muito sinceros, meus filhos. Não escondam as suas misérias na direção espiritual. Só assim as suas vidas serão como joias e o seu coração se converterá em trono de Deus, que triunfará da nossa fraqueza.”

O coração enamorado do fundador do Opus Dei precisava mostrar o seu amor, tal como os que se amam na terra. Não tinha – tantas vezes o disse – um coração diferente para Deus. Por isso, a título de exemplo, quando em Roma não havia dinheiro, nem sequer para o mais necessário, não faltava uma rosa natural na imagem da Virgem Maria do quarto onde trabalhava muitas horas ao dia. Era uma manifestação externa do seu carinho interior. A riqueza dos objetos do culto (isso se vê claramente nos episódios aqui narrados) era o fruto de um amor autêntico e delicado, no qual tudo parece pouco para a pessoa amada: “Que pouco é uma vida para oferecer a Deus!” (Caminho, 420).

Destinar o melhor para o culto é manifestação concreta de desprendimento real dos bens terrenos, de aceitação rendida do domínio divino sobre as coisas criadas, de espírito de adoração e de piedade.

Assim o ensinou sempre. Destinar o melhor para o culto é manifestação concreta de desprendimento real dos bens terrenos, de aceitação rendida do domínio divino sobre as coisas criadas, de espírito de adoração e de piedade. E sempre se emocionava, agradecido com o modo como em todo o mundo as pessoas do Opus Dei vivem essa finura de amor:

“O Senhor está muito contente por O tratarem com amor, cuidando com esmero e delicadeza as coisas do culto, a que procuramos destinar o melhor que pode reunir esta nossa bendita pobreza. E Jesus também há de estar contente com essa amizade íntima de cada um de vocês para com Ele. Que Deus os abençoe!”

Salvador Bernal, Apontamentos sobre a vida do Fundador do Opus Dei, p. 342-345.