Lembranças de uma ordenação sacerdotal

Monsenhor Pedro Barreto completou 50 anos de ordenação sacerdotal. Recebeu o sacramento da Ordem junto do atual Prelado do Opus Dei, Mons. Fernando Ocariz. Neste testemunho, Mons. Barreto relembra como foi a preparação para o sacerdócio, sua ordenação e a primeira missa solene que ele celebrou no Brasil, em 26 de agosto de 1971.

Numa mensagem do passado dia 7 de agosto, dirigida aos fiéis da Prelazia, Mons. Fernando Ocáriz, Prelado do Opus Dei, lembra com agradecimento a passagem dos cinquenta anos da sua ordenação sacerdotal, junto com outros 28 membros da Obra. Como eu fui um deles e várias pessoas sabem disso, ocorreu-me escrever estas linhas já que talvez as pessoas do Opus Dei, os Cooperadores, e a tanta gente jovem que participa das atividades de formação espiritual desejem conhecer algum detalhe daqueles dias.

Embora tenhamos sido ordenados juntos, a minha convivência anterior com ele foi relativamente breve. Se não estou em erro, D. Fernando chegou a Roma em finais de setembro do ano 1967 e, em novembro daquele ano eu terminei os meus estudos no Colégio Romano da Santa Cruz e fui prossegui-los na Universidade de Navarra, na Espanha. Contudo, lembro-me bem da primeira vez que o encontrei. Nos dois meses seguintes foi o convívio normal e familiar com os mais de 100 alunos do Colégio Romano, procedentes de dezenas de países da Europa, da América e da Ásia. Nesses meses, como em toda a minha estadia em Roma, o ponto alto para nós eram as tertúlias com São Josemaria. Quase todas estas tertúlias tinham lugar numa sala de estar ampla, na Casa del Viccolo, um dos edifícios de Villa Tevere. Eram cheias de viveza, de bom humor e de ensinamentos que o nosso Padre nos transmitia constantemente. É muito bonito e real o que as diversas biografias contam a esse respeito.

Nessas reuniões familiares cantávamos frequentemente. Conto isto porque nessas ocasiões acontecia algo muito simples, e para mim muito tocante e inesquecível. Enquanto se cantava, o nosso Padre ia percorrendo lentamente todo o ambiente, girando a cabeça devagar, e olhando de frente para todos os que estávamos ali. Olhava nos olhos, com aquele olhar seu, penetrante, carinhoso, paterno. Nesses anos que Fernando Ocáriz conviveu com ele, até junho de 1975, com certeza foi olhado assim muitas vezes; ele o fazia com todos. Para mim aquela sala de estar continua impregnada da presença do nosso Padre. Durante os anos da minha estadia lá foram muitas dezenas de tertúlias, quase sempre ali. Depois, alguma vez que voltei a Roma, fui vê-la e, naquela altura, com os mesmos móveis e dispostos da mesma maneira, produzia em mim uma lembrança muito especial, sobretudo quando estava vazia.

Certa vez, aproximei-me de São Josemaria perguntei-lhe se poderia falar um momento. Disse-me que sim, e apoiou-se no meu braço, como fazia habitualmente conosco. E me levou a um lugar tranquilo - um pequeno pátio na entrada da Villa Vecchia -, ali ao lado. Eu lhe disse que, se ele quisesse, eu estava disposto a ser ordenado sacerdote. Lembro-me que me respondeu dizendo que isto lhe dava muita alegria, mas que tivesse em conta que a Obra também necessitava de muitos leigos que fossem bem formados, com o espírito da Obra bem assimilado. No final me disse que comunicasse isto ao Reitor do Colégio Romano e, saindo dali fui até o escritório de D. Inacio Celaya.

Mais de um ano depois, estando em Pamplona, onde estudava Direito canónico, um dia recebi uma carta do Pe. Xavier de Ayala, o Vigário do Opus Dei no Brasil. Transcrevo os dois primeiros parágrafos: “Roma, 18 de Dezembro, 1968. // Meu caro Pedro: O Padre disse-me que escrevesse a você umas linhas e bem pode imaginar que o faço com muita satisfação. // Disse-me que lhe escrevesse para lhe dizer que o Padre queria muito bem a você e rezava para que fosse muito fecundo o seu futuro trabalho como sacerdote. Quer mais alguma coisa? Acho que é suficiente, por enquanto, para ficar orgulhoso. (...)”. Estas palavras me impactaram muito, especialmente pelo recado do nosso Padre. Também trouxeram à tona um tema que eu não tinha muito presente.

Padre Enrique Cases (Espanha), Padre Pedro Barreto, Padre Alberto Banchs (Costa Rica), Padre Walter Hugo de la Peña (Guatemala), Padre Charles Conally (Irlanda) e o Prelado do Opus Dei, Mons. Fernando Ocáriz.

Em novembro de 1970 voltei para o Brasil, para trabalhar uns meses aqui, antes da ordenação. Fiquei muito impressionado pelo crescimento da Obra durante esses anos de ausência. Quando eu viajei, as pessoas da Obra no Brasil ainda eram poucas e, na volta, já eram em número expressivo. Muitos nomes que eram simplesmente nomes foram revestindo-se de fisionomias, de modos de ser, de histórias pessoais, e isto me deixava contente. Havia novos centros e a construção do Centro de Estudos estava bem adiantada.

Em maio de 1971 voltei a Pamplona, para começar, junto com vários outros numerários, a preparação para a ordenação presbiteral. Em fim de junho, se não me engano, fomos para Madri, para Montalbán, um Centro de Estudos que está nos andares superiores de um edifício situado na esquina das ruas Diego de León e Lagasca. É um lugar importante para a história do Opus Dei, porque foi um dos primeiros centros da Obra e porque São Josemaria morou ali de 1940 a 1946 e, a partir dali, impulsionou a expansão do Opus Dei na Espanha e na Europa. Nos dois primeiros andares se conserva a antiga casa, tal como era, com algum acréscimo e nos andares superiores fica Montalbán.

Nessa segunda fase do convívio de preparação para a ordenação já estávamos os 29 que seríamos ordenados em agosto: aos que viemos de Pamplona somaram-se os que vieram de Roma, entre eles D. Fernando Ocáriz. Estas várias semanas, até o 15 de agosto, foram intensas: aulas, exercícios de celebração da Santa Missa e dos Sacramentos. Nas tertúlias, depois do almoço e depois do jantar, contávamos notícias dos nossos países de origem, dos trabalhos e dos estudos. Várias vezes almoçaram ou jantaram conosco numerários mais antigos, que sempre tinham muitas coisas para contar.

As ordenações do ano 1971 tiveram uma peculiaridade. Foi o último ano, na Igreja, em que as chamadas Ordens Menores ainda faziam parte da disciplina do Sacramento da Ordem. Isto nos deu a oportunidade de conhecer de perto a vários amigos de longa data do nosso Padre. A ordenação presbiteral foi conferida por D. Marcelo González, na altura Cardeal de Barcelona e, depois de Toledo e Primaz da Espanha. Todas as cerimônias tiveram lugar na Pontifícia Basílica de São Miguel. Na ordenação presbiteral a igreja estava lotada e, entre os assistentes estava a futura bem-aventurada Guadalupe Ortiz de Landázuri.

No dia 16 de agosto celebrei pela primeira vez, depois da ordenação, a Santa Missa, no pequeno oratório que há na cripta do centro da Rua Diego de León. Ladeando o altar, nas paredes da direita e da esquerda, estão duas pequenas arquetas sarcófago, policromadas de uma forma simples e alegre, com os restos mortais dos pais do nosso Padre.

Poucos dias depois viajei de volta a São Paulo. O Dr. Xavier e todos me receberam com muita alegria, uma alegria proporcionada à minha, por revê-los. Celebrei minha primeira Missa no Brasil umas horas depois. Assistiu só o Dr. Xavier e Alfredo Canteli ajudou. No dia 26 de agosto, houve a minha primeira Missa pública, no Santuário de Nossa Senhora de Fátima (Sumaré), com a homilia feita pelo Pe. Francisco Faus.

14-08-2021