“As primeiras mulheres do Opus Dei foram uma revolução após a Guerra Civil Espanhola”

Inicialmente o fundador da Obra pensava que não haveria mulheres, mas a partir de 1930 tudo mudou. Duas historiadoras escreveram um livro sobre esses primeiros anos.

A sevilhana Inmaculada Alva, de 56 anos e professora na Universidade de Navarra, Espanha

A jornalista Sonsoles Echavarren publicou uma entrevista no Diario de Navarra com a historiadora Inmaculada Alva, sobre o início do trabalho apostólico com as mulheres no Opus Dei e a sua evolução.


Oferecemos a seguir a tradução da entrevista.

Umas freiras “muito estranhas” que pintavam as unhas, se preocupavam com a beleza e trabalhavam em editoras. Ou umas mulheres que deixavam as casas de seus pais, não para se casar, como era o habitual, mas para trabalhar “quase como empregadas” em uns centros que não eram conventos. Assim, algumas pessoas definiram as primeiras mulheres do Opus Dei que nos anos trinta ou quarenta do século passado seguiram a mensagem daquele jovem sacerdote, fundador da Obra e hoje santo, São Josemaria Escrivá. Foram pioneiras. Muitas, universitárias e, de alguma forma “revolucionárias”, em uma época em que a mulher era considerada menor de idade e precisava da licença do pai ou do marido para tudo. Assim nos mostram duas pesquisadoras que publicaram um livro sobre este fenômeno. As historiadoras Inmaculada Alva e Mercedes Montero, professoras da Universidade de Navarra, escreveram “El hecho inesperado. Mujeres en el Opus Dei (1930-1950)” (O fato inesperado. Mulheres no Opus Dei), ainda sem tradução no Brasil.

Josemaria Escrivá fundou o Opus Dei em 1928. Inicialmente, somente para homens. Quando e por que decide aceitar mulheres?

Foi no dia 14 de fevereiro de 1930. Durante a celebração de uma missa, teve uma revelação: a sua mensagem de santidade no meio de mundo e de que a luz de Deus deve chegar a todos os lugares ficaria incompleta se não contasse com a mulher e a família.

Uma decisão que surpreende a uma Espanha anterior à Segunda República e numa sociedade que não considerava a mulher.

Naquela época, somente 8% dos estudantes universitários eram mulheres. A maioria estudava Filosofia e Letras ou Farmácia, que eram considerados estudos mais femininos. Havia mulheres que trabalhavam (professoras, enfermeiras...) mas o normal era que, ainda que assim fosse, ao casar-se se dedicassem à família. O sucesso da mulher estava na casa.

Guadalupe Ortiz de Landázuri (primeira à esquerda, agachada) e outras numerárias, na residência Abando (Bilbao) em 1947

Sendo assim, como se conseguiu recrutar as primeiras mulheres numa época em que as mulheres somente saiam da casa familiar para se casarem ou entrar no convento?

O que São Josemaria fez foi algo muito revolucionário. Nos anos trinta foram muito poucas as mulheres que se aproximaram, porque não entenderam bem a mensagem. A maioria delas eram piedosas e terminaram por entrar no convento. Nessa década, o fundador era o capelão de algumas hospitais de Madri. Neles fez contato com duas doentes: Maria Ignacia García Escobar e Antonia Sierra, que foram as primeiras mulheres do Opus Dei. Elas compreenderam que a sua missão era rezar e oferecer seu sofrimento para que a Obra fosse para frente. Foram aparecendo outras mulheres, todas entre 20 e 30 anos. A maioria, trabalhadoras. Como Carmen Cuervo ou Modesta Cabeza, que era pianista. Esta última estava dentro de uma igreja quando esta foi incendiada, na Guerra Civil. Sofreu um choque e terminou num hospital psiquiátrico.

Mas durante a Guerra Civil toda a engrenagem se paralisa...

São Josemaria, antes de ir para Burgos, se escondeu na Legação de Honduras, em Madri. E se correspondia com um dos primeiros numerários, Miguel Fisac, que estava escondido no teto falso de uma casa. Era Lola, a irmã de Miguel que levava-lhe as cartas. Naqueles anos, utilizavam uma linguagem em código para não levantar suspeitas. O fundador era o “avô” e ele se refere aos membros da Obra como seus “netos”. Quando falam de Jesus, chamavam-no “Dom Manuel” e ao fazer referência ao Opus Dei, diziam “a empresa do vovô”. Graças a essas cartas, Lola Fisac vai conhecendo a mensagem e, ao terminar a guerra, pede a admissão ao Opus Dei.

Termina a guerra civil e o país começa a se reconstruir. Aconteceu a mesma coisa com o Opus Dei?

Sim, é um segundo renascimento. A Espanha retrocede e a mulher fica numa situação pior do que nos anos trinta. A Obra tem muito poucas mulheres. As primeiras morreram e o fundador pede às poucas que existem, muitas delas relacionadas com a Ação Católica, que falem com suas amigas. Desta forma, o objetivo não é apenas fazer apostolado, mas também voltar a iluminar a vocação cristã dos leigos.

E as pessoas da rua entendem a mensagem? Porque muitas famílias criticam que suas filhas saíssem de casa para servir...

Foi assim. As primeiras costuravam, rezavam e pouco mais que isso. Mas logo chegam algumas (Narcisa Gonzáles Guzmán, Enrica Botella e Encarnación Ortega) que conectam com a mensagem. Ao mesmo tempo, algumas pessoas veem o Opus Dei como “algo intermediário”. Uma vez, uma aluna de Guadalupe Ortiz de Landázuri (uma das primeiras mulheres da Obra que foi professora de Química em um colégio de Madri), disse que viu sua professora metida em “uma coisa raquítica”. “É uma coisa de freiras que pintam as unhas e se dedicam a editoras”, escreveu. Nesses anos, as mulheres se dedicaram prioritária, mas não exclusivamente, ao atendimento doméstico dos centros dos rapazes.

Aurora Nieto, viúva com três filhos, foi uma das primeiras supernumerárias do Opus Dei
Aurora Nieto, viúva com 3 filhos, foi uma das primeiras supernumerárias do Opus Dei. Na imagem, em Salamanca, em 1945.

Então, não podiam se dedicar à sua profissão?

O fundador garantiu que, com o tempo, somente 10% das mulheres da Obra se dedicariam aos trabalhos domésticos e que entre as suas filhas haveria médicas, arquitetas, jornalistas... Disse isso numa época em que as mulheres ainda eram 8% dos universitários.

E, mesmo assim, criou uma editora e uma residência para moças universitárias em 1947.

Foram dois momentos marcantes. A Editora Minerva, a primeira de mulheres e para mulheres, quis impulsionar a cultura. E com a residência desejou-se voltar ao espírito da Residência de Senhoritas dos anos vinte (versão feminina de uma república), ainda que ideologicamente não tivessem nada a ver. O fundador percebeu a importância da mulher universitária para a cristianização. Assim, muitas estudantes de Medicina, Ciências, Filosofia e Letras... começam a pedir a admissão à Obra. Entre as primeiras houve uma aqui de Navarra: Rosário Arellano, de Corella, e irmã de um numerário. Ela ia se casar mas, depois de ouvir o fundador em um Retiro espiritual descobriu sua vocação.

Em 1950 começa a expansão internacional. As mulheres renunciam à sua profissão?

Mas aconteceu a mesma coisa com os homens. Assim como o fundador pediu às melhores cabeças que fossem sacerdotes, muitas mulheres viajaram para os Estados Unidos, Inglaterra, México, Argentina, Guatemala... para estender a Obra e ir abrindo centros. Tiveram que fazer sacrifícios.

70% são mulheres casadas

Sim, nos anos quarenta, e segundo os historiadores, o perfil do membro do Opus Dei era homem, numerário e com estudos universitários. Atualmente a situação é completamente diferente. E o protótipo é o de uma mulher, casada (supernumerária) e também com estudos universitários. Assim o explica Inmaculada e afirma que dos 90.000 membros do Opus Dei espalhados por todo o mundo a maioria são mulheres, e 70% destas  são casadas. Entre os homens há numerários, supernumerários e adscritos. E entre as mulheres, numerárias, supernumerárias, adscritas e numerárias auxiliares (as que, como seu trabalho profissional, se encarregam do atendimento doméstico nos centros). “Como numerária estou muito grata por ter feito este estudo. Pesquisei sobre algo que conheço, que é a minha própria história. Ainda que, pouco conhecida”. Na sua opinião, este trabalho serviu para “valorizar mais positivamente” estas mulheres. “Dessa forma se dão a conhecer. Porque nem sequer se sabia quem elas eram. Abrimos os olhos a uma realidade desconhecida”.

Tradução: Mônica Diez


Veja a tradução do capítulo “Origem e desenvolvimento da Administração dos centros”, publicada no site.

Sosoles Echavarren  Diario de Navarra