7 de Setembro de 1931, em Madrid.

Desde o princípio, o Senhor mostrou ao Fundador o Opus Dei como um desígnio de alcance universal, de índole católica.

"Et fui tecum in omnibus ubicumque ambulasti! (2 Sam 7, 9), estive e estarei contigo por onde andaste"

Naqueles dias do Verão de 1931, a alma do Padre Josemaria – como adiante exporemos – estava mergulhada em grandes tribulações. O Senhor servia-se delas para purificar os seus afetos e o conduzir a um completo abandono na Providência, ainda que, por fora, as circunstâncias históricas fossem francamente calamitosas. Apesar de tudo, o Padre Josemaria não cruzou os braços à espera de tempos mais propícios. A missão que lhe fora confiada urgia-o. E, considerando aqueles anos, em que o Senhor o fazia sofrer para que vivesse exclusivamente de fé, deixou um testemunho escrito do auxílio divino:

Verdadeiramente, os primeiros passos não foram nada fáceis. Mas o Senhor, tantas vezes quantas foram necessárias – e não falo em milagrices, mas do modo vulgar como o Pai do Céu trata os seus filhos, quando são almas contemplativas -, acorreu sempre a dar-nos uma fortaleza sobrenatural [...]. E Ele fazia escutar a sua locução clara, aí pelos anos 30 não uma vez, mas várias vezes dizendo: et fui tecum in omnibus ubicumque ambulasti! (2 Sam 7, 9), estive e estarei contigo por onde andaste.

Esta locução foi anotada nos seus Apontamentos a 8 de Setembro de 1931, festa da Natividade de Nossa Senhora:

Ontem, da parte da tarde, as três, saí para o presbitério da igreja do Patronato para fazer uns momentos de oração diante do Santíssimo Sacramento. Não me apetecia. Mas deixei-me estar como um fantoche. Às vezes, caindo em mim, pensava: Bem vês, bom Jesus, que se estou aqui é por Ti, para Te dar gosto. Nada. A minha imaginação andava solta, longe do corpo e da vontade, tal qual o cão fiel, deitado aos pés do dono, que dormita sonhando com correrias e caça e amigalhaços (cães como ele) e se agita e ladra baixinho... mas sem se afastar do dono. Assim estava eu, completamente cão, quando me apercebi de que, sem querer, repetia umas palavras latinas, que nunca fixei e que não tinha motivo para conservar na memória: Ainda agora, para me recordar delas, necessito de as ler na ficha, que sempre trago no bolso para apontar o que Deus quer (nesta ficha de que falo, anotei instintivamente, movido pelo hábito, ali mesmo no presbitério, a frase, sem lhe dar importância): + dizem assim as palavras da Escritura, que encontrei nos meus lábios "et fui tecum in omnibus ubicumque ambulasti, firmans regnum tuum in aeternum": apliquei a minha inteligência ao entendimento da frase, repetindo-a devagar. E depois, ontem à tarde, hoje mesmo, quando voltei a ler estas palavras (porque – repito -, como se Deus tivesse empenho em ratificar que foram suas, não me lembro delas de uma vez para a outra), compreendi bem que Cristo Jesus me deu a entender, para nosso consolo que "a Obra de Deus estará com Ele em toda a parte afirmando o reinado de Jesus Cristo para sempre".

Com estas palavras divinas, ficava confirmado o caráter universal e perene da Obra, ao serviço da Igreja. Desse modo, o Senhor fazia-lhe entender a continuidade ininterrupta da missão do Opus Dei na terra. Fortalecido por esta locução, no dia 9 de Janeiro de 1932 escrevia o Fundador a todos os membros do Opus Dei (aos poucos que nessa altura o eram e à imensa multidão que esperava), com absoluta fé sobrenatural naquele empreendimento divino:

Tende, pois, a completa segurança de que a Obra cumprirá sempre, com eficácia divina, a sua missão; corresponderá sempre ao fim para a qual o Senhor a quis na terra; será, com a graça divina – por todos os séculos – um instrumento maravilhoso para a glória de Deus: sit gloria Domini in aeternum! (Sl 104, 31).

Perante a situação histórica, de perturbação quase revolucionária, em que se encontrava submerso, o Fundador confirmava os seus na origem sobrenatural da Obra, fazendo-lhes ver que não se tratava de uma instituição nem de uma organização apostólica passageira, suscitada pela perseguição religiosa em Espanha. O Opus Dei não vinha preencher uma necessidade de momento para depois desaparecer como outras organizações, uma vez restabelecida a paz política e social.

Ainda ressoava na alma do Fundador o eco da locução de 7 de Setembro quando, a 14 do mesmo mês, o Senhor lhe mostrou o caminho da perenidade da Obra, pela identificação dos seus membros com Jesus Cristo na humilhação e na Cruz:

Festa da Exaltação da Santa Cruz: 1931 (lê-se numa anotação feita nessa data). - Que alegria produziu em mim a epístola deste dia! Nela o Espírito Santo ensina-nos por meio de S. Paulo, o segredo da imortalidade e da glória [...]. Este é o caminho seguro: pela humilhação até à Cruz: da Cruz, com Cristo, até à Glória imortal do Pai.

Ler mais em Josemaria Escrivá: Fundador do Opus Dei, de A. Vázquez de Prada, cap.VI Apontamentos íntimos, n. 5 - Novas luzes fundacionais.