24. A Unção dos Enfermos

Para um cristão, a doença e a morte podem e devem ser meios para se santificar e redimir com Cristo. Para isto, contribui a Unção dos Enfermos.

1. A Unção dos Enfermos, sacramento de salvação e de cura

Natureza desse sacramento

A Unção dos Enfermos é um sacramento instituído por Cristo, insinuado como tal no Evangelho de São Marcos (cf. Mc 6,13), recomendado e promulgado aos fiéis pelo Apóstolo São Tiago: “Está alguém enfermo? Chame os sacerdotes da Igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o restabelecerá. Se ele cometeu pecados, lhe serão perdoados” (Tg 5,14-15). A Tradição viva da Igreja, refletida nos textos do Magistério eclesiástico, reconheceu neste rito, especialmente destinado a confortar os doentes e a purificá-los do pecado e de suas sequelas, um dos sete sacramentos da Nova Lei[1].

Sentido cristão da dor, da morte e da preparação para bem morrer

No Ritual da Unção dos Enfermos, o sentido da doença do homem, dos seus sofrimentos e da morte compreendem-se à luz do desígnio salvador de Deus, mais concretamente, à luz do valor salvífico da dor assumida por Cristo, o Verbo Encarnado, no mistério da sua Paixão, Morte e Ressurreição[2]. O Catecismo da Igreja Católica apresenta uma concepção similar: “Por sua paixão e morte na cruz, Cristo deu um novo sentido ao sofrimento, que doravante pode configurar-nos com Ele e unir-nos à sua paixão redentora.” (Catecismo, 1505). “Cristo convida seus discípulos a segui-lo, tomando cada um sua cruz (cf. Mt 10,38). Seguindo-o, adquirem uma nova visão da doença e dos doentes” (Catecismo, 1506).

A Sagrada Escritura indica uma estreita relação entre a doença, a morte e o pecado[3]. Mas seria um erro considerar a doença como um castigo pelos pecados pessoais (cf. Jo 9,3). O sentido da dor do inocente só se alcança à luz da fé, crendo firmemente na Bondade e na Sabedoria de Deus, na sua Providência amorosa e contemplando o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, graças à qual foi possível a Redenção do mundo[4].

Ao mesmo tempo que o Senhor nos ensinou o sentido positivo da dor para realizar a Redenção, quis curar muitos doentes, manifestando pelo seu poder sobre a dor e a doença a sua potestade para perdoar os pecados (cf. Mt 9,2-7). Depois da Ressurreição, envia os Apóstolos: “Em meu nome... imporão as mãos aos enfermos e eles ficarão curados”. (Mc 16, 17-18) (cf. Catecismo, 1507)[5].

Para um cristão, a doença e a morte podem e devem ser meios para se santificar e redimir com Cristo. A Unção dos Enfermos ajuda a viver estas realidades dolorosas da vida humana com sentido cristão: “Na Unção dos enfermos, como agora se chama a Extrema-Unção, assistimos a uma amorosa preparação da viagem que terminará na casa do Pai”[6].

2. A estrutura do signo sacramental e a celebração do sacramento

Segundo o Ritual da Unção dos Enfermos, a matéria apta do sacramento é o azeite ou, em caso de necessidade, outro óleo vegetal[7]. Este azeite deve ser abençoado pelo bispo ou por um presbítero que tenha essa faculdade[8].

A Unção administra-se ungindo o doente na fronte e nas mãos[9]. A fórmula sacramental usada no rito latino para administrar o sacramento da Unção dos Enfermos é a seguinte: “Per istam sanctam Unctionem et suam piissimam misericordiam adiuvet te Dominus gratia Spiritus Sancti. Amen./ Ut a peccatis liberatum te salvet atque propitius allevet. Ámen”. (Por esta santa unção e pela sua infinita misericórdia o Senhor venha em teu auxílio com a graça do Espírito Santo, para que, liberto dos teus pecados, Ele te salve e, na sua bondade, alivie os teus sofrimentos. Amém)[10].

Como recorda o Catecismo da Igreja Católica, “é muito conveniente que ela se celebre dentro da Eucaristia, memorial da Páscoa do Senhor. Se as circunstâncias o permitirem, a celebração do sacramento pode ser precedida pelo sacramento da Penitência e seguida pelo sacramento da Eucaristia. Como sacramento da Páscoa de Cristo, a Eucaristia deveria sempre ser o último sacramento da peregrinação terrestre, o “viático” para a “passagem” à vida eterna” (Catecismo, 1517).

3. Ministro da Unção dos Enfermos

O ministro deste sacramento é unicamente o sacerdote (bispo ou presbítero)[11]. É dever dos pastores instruir os fiéis sobre os benefícios deste sacramento. Os fiéis (em particular, os familiares e os amigos) devem animar os doentes a chamar o sacerdote para receber a Unção dos Enfermos (cf. Catecismo, 1516).

Convém que os fiéis tenham presente que no nosso tempo tende-se a ‘isolar’ a doença e a morte. Nas clínicas e nos hospitais modernos, os doentes graves morrem frequentemente na solidão, embora se encontrem rodeados de outras pessoas numa ‘unidade de cuidados intensivos’. Todos – em particular os cristãos que trabalham em ambientes hospitalares – devem fazer um esforço para que não faltem aos doentes internados os meios que deem consolo e alívio ao corpo e à alma de quem sofre. Entre esses meios – além do sacramento da Penitência e do Viático – encontra-se o sacramento da Unção dos Enfermos.

4. Sujeito da Unção dos Enfermos

O sujeito da Unção dos Enfermos é qualquer pessoa batizada, que tenha alcançado o uso da razão e se encontre em perigo de vida face a uma doença grave, ou por velhice acompanhada de avançada debilidade senil[12]. Não se pode administrar a Unção dos Enfermos aos defuntos.

Para receber os frutos deste sacramento requer-se do sujeito a prévia reconciliação com Deus e com a Igreja, pelo menos com o desejo, inseparavelmente unido à intenção de se confessar, quando for possível, no sacramento da Penitência. Por isso, a Igreja prevê que, antes da Unção, se administre ao doente o sacramento da Penitência e da Reconciliação[13].

O sujeito deve ter a intenção, pelo menos habitual e implícita, de receber este sacramento[14]. Embora a Unção dos Enfermos possa ser administrada a quem já tenha perdido os sentidos, deve-se procurar que seja recebida com conhecimento, para que o doente se prepare melhor para receber a graça do sacramento. Não se deve administrar aos que permanecem obstinadamente impenitentes em pecado mortal manifesto (cf. CDC, cân. 1007).

Se um doente, que recebeu a Unção dos Enfermos, recupera a saúde pode, no caso de nova doença grave, tornar a receber este sacramento; e, no decurso da mesma doença, o sacramento pode ser reiterado caso a doença se agrave (cf. CDC, cân. 1004, 2).

Por fim, convém ter presente esta indicação da Igreja: “Em caso de dúvida se o doente atingiu o uso da razão, ou se está perigosamente enfermo, ou se já está morto, administre-se o sacramento” (CDC, cân. 1005).

5. Necessidade deste sacramento

A recepção da Unção dos Enfermos não é necessária como necessidade de meio para a salvação, mas não se deve prescindir voluntariamente deste sacramento, se é possível recebê-lo, porque o contrário seria rejeitar um auxílio de grande eficácia para a salvação. Privar um doente desta ajuda poderia constituir um pecado grave.

6. Efeitos da Unção dos Enfermos

Enquanto verdadeiro e próprio sacramento da Nova Lei, a Unção dos Enfermos transmite ao cristão a graça santificante; além disso, a graça sacramental específica da Unção dos Enfermos tem como efeitos:

- A união mais íntima com Cristo na sua Paixão redentora, para o seu bem e de toda a Igreja (cf. Catecismo, 1521-1522; 1532).

- O consolo, a paz e o ânimo para vencer as dificuldades e os sofrimentos próprios da doença grave ou da fragilidade devida à velhice (cf. Catecismo, 1520; 1532).

- A libertação das relíquias do pecado e o perdão dos pecados veniais, bem como dos mortais no caso do doente ter se arrependido, mas não ter podido receber o sacramento da Penitência (cfr. Catecismo, 1520).

- O restabelecimento da saúde corporal, se tal for a vontade de Deus (cf. Concílio de Florença: DS 1325; Catecismo, 1520).

- A preparação para passagem para a vida eterna. Neste sentido, afirma o Catecismo da Igreja Católica: “Esta graça é um dom do Espírito Santo que renova a confiança e a fé em Deus e fortalece contra as tentações do maligno, tentação de desânimo e de angustia diante da morte (cf. Tg 5, 15)” (Catecismo, 1520).

Ángel García Ibáñez


Bibliografia básica

Catecismo da Igreja Católica, 1499-1532.

Leituras recomendadas

João Paulo II, Carta Apostólica Salvifici Doloris, 11-02-1984.

P. Adnès, L'Onction des malades. Histoire et theólogie, FAC-éditions, Paris 1994, pp. 86 (trad. it.: L'Unzione degli infermi, Storia e teologia, Edizioni San Paolo, Cinisello Balsamo (Milano) 1996, pp. 99.

F.M. Arocena, Unción de enfermos, Diccionario de Teología, Eunsa, Pamplona 2006, pp. 983-989.


[1] Cf. DS 216; 1324-1325; 1695-1696; 1716-1717; Catecismo, 1511-1513.

[2] Cf. Ritual da Unção dos Enfermos, Praenotanda, 1-2.

[3] Cf. Dt 28,15; Dt 28,21-22; Dt 28,27; Sl 37 (38),2-12; Sl 38 (39),9-12; Sl 106 (107),17; Sb 2,24; Rm 5,12; Rm 5,14-15.

[4] “Cristo não apenas se deixa tocar pelos doentes, mas assume suas misérias: ‘Ele levou nossas enfermidades e carregou nossas doenças’ (Mt 8, 17) (…). Na cruz, Cristo tomou sobre Si todo o peso do mal (cf. Is 53,4-6) e tirou ‘o pecado do mundo’ (Jo 1, 29). A enfermidade não é mais do que uma consequência do pecado” (Catecismo, 1505).

[5] A dor, em si, não salva nem redime. Só a doença vivida na fé, na esperança e no amor de Deus, só a doença vivida em união com Cristo, purifica e redime. Então, Cristo salva-nos não da dor, mas na dor, transformada em oração, num ‘sacrifício espiritual’ (cf. Rm 12,1; 1 Pe 2,4-5), que podemos oferecer a Deus unindo-nos ao sacrifício Redentor de Cristo, atualizado em cada celebração da Eucaristia para que nós possamos participar nele.

Além disso, convém considerar que “entra dentro do plano providencial de Deus que o homem lute ardentemente contra qualquer doença e procure solicitamente a saúde, para que possa continuar a desempenhar as suas funções na sociedade e na Igreja, de tal modo que esteja sempre disposto a completar o que falta à Paixão de Cristo para a salvação do mundo, esperando a libertação na glória dos filhos de Deus (cf. Cl 1,24; Rm 8,19-21)”. (Ritual da Unção dos Enfermos)

[6] São Josemaria, É Cristo que Passa, 80.

[7] Cf. Ritual da Unção dos Enfermos, Praenotanda, n. 20; Concílio Vaticano II, Const. Sacrosactum Concilium, 73 Paulo VI, Const. Ap. Sacram Unctionem Infirmorum, 30-11-1972, AAS 65 (1973) 8.

[8] Cf. Ritual da Unção dos Enfermos, Praenotanda, 21. Neste documento indica-se também, de acordo com o CDC, cân. 999, que qualquer sacerdote, em caso de necessidade, pode benzer o óleo para a Unção dos Enfermos, mas dentro da celebração.

[9] Cf. Idem, Praenotanda, 23. Em caso de necessidade, bastaria fazer uma só unção na fronte ou noutra parte conveniente do corpo (cf. Ibidem).

[10] Ritual da Unção dos Enfermos, Praenotanda, n. 25; cf. CDC, cân. 847,1; Catecismo, 1513. Esta fórmula pronuncia-se de modo que a primeira parte se diz enquanto se unge a fronte e a segunda enquanto se ungem as mãos. Em caso de necessidade, quando só se pode dar uma unção, o ministro pronuncia simultaneamente a fórmula inteira (cf. Ritual da Unção dos Enfermos, Praenotanda, n. 23).

[11] Cf. CDC, cân. 1003,1. Nem os diáconos nem os fiéis leigos podem administrar validamente a Unção dos Enfermos (cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Nota sobre o ministro do sacramento da Unção dos Enfermos, ”Notitiae”, 41 (2005) 479).

[12] Cf. Concilio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium, 73; CDC, cân. 1004-1007; Catecismo, 1514. A Unção dos Enfermos não é um sacramento para os fiéis que estão na chamada ‘terceira idade’ (não é um sacramento para reformados), nem sequer é um sacramento para moribundos. No caso de uma operação cirúrgica, a Unção dos Enfermos pode administrar-se quando a doença, que motiva a operação, pode pôr em perigo a vida do doente.

[13] Cf. Concilio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium, 74.

[14] A este propósito, diz o CDC: “Administre-se o sacramento aos doentes que, quando estavam no uso da razão, ao menos implicitamente o teriam pedido” (cân. 1006).