“Também em Wall Street é possível encontrar Deus”

D. Javier Echeverría, bispo espanhol nascido em Madri, tem 74 anos e desde 1994 dirige o Opus Dei. Estreito colaborador do Fundador, São Josemaria Escrivá, fala abertamente ao “Il Sole 24 Ore”.

A santificação do trabalho é um elemento central da mensagem do Opus Dei.

Sim, vê-se o trabalho como uma realidade positiva, boa. O Fundador dizia que reconhecemos Deus não só no espetáculo da natureza, mas também na experiência do nosso trabalho e do nosso esforço.

Daí a busca da perfeição, sinal característico das pessoas do Opus Dei...

Se o trabalho é convertido numa ocasião de encontro com Deus, precisamente por isso deve ser realizado da melhor maneira possível, com profissionalismo. Mas não importa o seu prestígio social: a santidade não é determinada nem pelo salário nem pelo status da pessoa.

E os que estão desempregados?

É prioritário ajudar essas pessoas, especialmente os mais jovens, para que aprendam uma profissão e a ponham a serviço da sociedade. Em Roma, no bairro do Tiburtino, a Obra promove há 40 anos o Centro Elis, destinado à capacitação de jovens, que permitiu a mais de 10 mil encontrar trabalho.

Como pode encontrar o caminho da santidade uma pessoa que trabalha no mundo das finanças, em meio à especulação financeira?

Ainda existe o velho preconceito de considerar as finanças, o lucro justo e as atividades relacionadas com o mercado de capitais como uma coisa necessariamente negativa ou perigosa para um cristão. Mas também essa realidade, se está orientada ao serviço dos demais e se pratica com honestidade, pode converter-se em ocasião de dar glória ao Senhor. Afinal, também em Wall Street é possível encontrar a Deus.

Então a especulação financeira também é um caminho para Deus?

A especulação não deve ser exercida em prejuízo das pessoas, e por isso é necessária uma ética sólida. Mas também os empresários devem dar fruto empregando os seus talentos, disse Jesus Cristo.

A maioria dos empresários não pensam em fazer frutificar os seus “talentos"quando compram ou vendem...

Às vezes agir com retidão no mundo dos negócios pode exigir heroísmo, porque requer enfrentar umas práticas ilegais consolidadas, que uma pessoa de bem não pode aceitar em consciência. De fato, a santidade é heroísmo. Todos estamos chamados à santidade: consequentemente, todos somos capazes, com a ajuda de Deus, de tomar decisões “heróicas" quando as circunstâncias o exigem.

Os membros da Obra recebem alguma indicação especial nesse campo?

Não recebem nenhuma indicação quanto ao modo de desempenhar a profissão. No Opus Dei recebem uma formação cristã que os ajuda a aprofundar nas exigências morais. Essa formação significa um estímulo para crescer, para melhorar. Em outras palavras, trata-se de uma ajuda para cultivar a virtude e buscar a santidade - ou seja, ser honestos, trabalhadores leais e compreensivos -, para aprender com os próprios erros, aprendendo também a pedir perdão.

Por que muitos dizem que a Obra tem tanto poder, especialmente na economia e no mundo dos negócios?

São apenas clichês, lugares comuns plantados por pessoas que queriam dificultar o nosso trabalho. Entre os membros do Opus Dei há pessoas influentes, sim, mas a maior parte é de pessoas normais, de todas as profissões. Mas, infelizmente, essas não são “notícia"...

Então não há “acordos" nem “pactos de associações" do Opus Dei no campo dos negócios?

Se houvesse qualquer coisa desse tipo, os primeiros a se rebelarem contra esse “partido único" seriam os próprios fiéis do Opus Dei. São Josemaria repetia que desejava deixar como única herança aos seus filhos espirituais o amor à liberdade e o bom humor. Posso assegurar que é assim.

Portanto, em seus trabalhos cada membro age independentemente, sem formar uma rede?

Certamente, não a formam. Vê-se com frequência pessoas do Opus Dei perseguindo objetivos opostos, buscando cada um o bem da sociedade para a qual trabalham. Não se pode atribuir à Obra as atuações de seus membros individuais: cada um é pessoalmente responsável por suas atuações no campo profissional, quer triunfem, quer fracassem.

A ética é um tema central à hora de santificar o trabalho?

De fato, pensar que o trabalho tem somente uma dimensão técnica, deter-se somente em seus aspectos específicos e práticos, seria algo empobrecedor. Como qualquer ação humana, o trabalho tem necessariamente uma repercussão na personalidade do sujeito, e a faz melhor ou pior pessoa; tem um valor transcendente e, portanto, uma dimensão ética, que vai muito além da técnica.

Ética como valor individual ou coletivo?

Quando afirmo que a ética torna mais perfeito o indivíduo, não pretendo fazer um discurso individualista. Todos estamos de acordo com que um maior nível de ética profissional é útil para o bem comum. Uma pessoa que não prejudica os seus clientes, que paga os seus impostos, que respeita os acordos, atrai indiretamente a confiança e contribui para o bom funcionamento da sociedade.

Falamos dos desempregados. Como se pode santificar o trabalho em lugares onde as pessoas morrem de fome?

Todo cristão está chamado a reagir, sem se limitar ao mero inconformismo ou ao escândalo, lançando-se em ações concretas, procurando e encontrando soluções para remediar a situação. Ninguém pode considerar-se dispensado dessa responsabilidade. É um tema central nos ensinamentos de São Josemaria.

Entrevista do Prelado do Opus Dei ao jornal italiano “Il Sole 24 Ore”