"Se não estivesse na Igreja, o Opus Dei se desfaria"

"Os diferentes membros da Igreja precisam uns dos outros. Todo o valor do Opus Dei está em ser parte da Igreja: sem esse estar na Igreja, o Opus Dei se desfaria". Entrevista com o Prelado do Opus Dei publicada em 'Alfa y Omega'.

D. Javier Echevarría, na saída do consistório em que se anunciou a data de canonização de Josemaría Escrivá

Quais são os traços do perfil de Josemaría Escrivá que continuam sendo hoje mais atraentes?

Sim, cem anos depois do seu nascimento, Josemaría Escrivá é uma figura historicamente próxima, que atrai pelo seu vigor humano e cristão. Sabemos bem — a História, concretamente a história da Igreja, é mestra — que os homens que caminham ao lado de Cristo são semeadores de paz e de alegria, e são também sinais de contradição. Chegam-me todos os dias notícias — por escrito ou verbalmente — de muitos que muitos que experimentam a paz e a alegria de Deus, ao acolher o que Ele nos quer dizer com esses amigos seus que são os santos, entre eles o Bem-aventurado Josemaría.

Traços que mais atraem? Talvez o fato de ter contagiado milhões de pessoas com a alegria de ser cristãos, de se saberem filhos de Deus. Em meio a tantas agitações banais ou a dolorosas depressões, penso que as almas sentem a necessidade de ter ao seu lado o sorriso de quem vive como discípulo de Cristo para servir os outros.

O que é que o Opus Dei quer deixar essencialmente como resultado dessa celebração centenária, tanto no âmbito doutrinal-eclesiológico como no material-obras?

O Bem-aventurado Josemaría escreveu e repetiu muitas vezes que "é de Cristo que temos que falar, e não de nós mesmos". Por isso, espero que os atos comemorativos do Centenário do Bem-aventurado Josemaría avivem em muitos homens e mulheres a consciência de que Cristo deve estar no coração da nossa história individual, através de um contínuo encontro com Ele, precisamente nas circunstâncias ordinárias da vida; e na nossa história coletiva, por meio da paz, da justiça e do perdão.

A calamidade mais triste de um povo é marginalizar Jesus Cristo, como se Ele, que entregou a sua vida para salvar a nossa, fosse um intruso. Seria um magnífico legado do Centenário, voltar a descobrir, e ajudar a descobrir, esse horizonte de ação que o Bem-aventurado Josemaría resumia assim: "Conhecer Jesus Cristo. Dá-lo a conhecer. Levá-lo a todos os lugares".

No plano das obras, o compromisso cristão perante as necessidades dos outros — em que tanto insistia o Bem-aventurado Escrivá — está levando muita gente a promover novos projetos de cooperação social e de caráter educativo, tanto em nações do terceiro mundo como em focos de marginalização localizados em países desenvolvidos. Na Nigéria, por exemplo, foi inaugurada recentemente uma escola profissional para jovens de Lagos com poucas possibilidades de obter um emprego. E começaram outras iniciativas semelhantes em diversos países.

Foi para mim motivo de alegria ver, durante o recente congresso em Roma, o entusiasmo de muitos homens e mulheres de impulsionar novas iniciativas, indo ao fundo de urgentes necessidades, do Congo à Colômbia, na Ásia e na Europa.

Durante a bênção de uma escultura do Fundador

Do ponto de vista jurídico e pastoral, a Prelazia Pessoal está definitivamente consolidada e aceita na Igreja?

O Opus Dei foi erigido como Prelazia Pessoal há quase vinte anos. Parece-me que é um tempo suficiente para falar de um firme assentamento dessa figura jurídica, que se mostrou perfeitamente adequada à realidade teológica e pastoral do Opus Dei.

Do ponto de vista prático, a configuração do Opus Dei como Prelazia Pessoal permitiu melhorar a inserção da Obra na Pastoral orgânica da Igreja, tanto em nível universal como no âmbito das Igrejas locais.

Às escuras, sem a luz de Cristo

Que diria o Bem-aventurado Escrivá diante dos principais problemas da humanidade: o terrorismo, a família, a bioética...?

Ele sempre evitava impor a sua opinião sobre os problemas humanos, pelo seu delicado respeito às livres opções das pessoas que vinham a ele pedir conselho, atraídas pelo seu zelo de bom pastor. Queria falar só de Deus, o grande amor da sua vida. E, precisamente por isso, tinha uma sensibilidade muito aguçada para descobrir os frutos da presença ou da ausência do espírito cristão nos fatos e situações históricas.

Em face das questões discutidas atualmente, penso que o Bem-aventurado Josemaría voltaria a recordar-nos, em primeiro lugar, que, sem a luz de Cristo, ficamos às escuras; e que, sem o amor de Cristo, não saberíamos romper com o nosso egoísmo. E convidaria a considerar a dignidade do ser humano na sua condição de filho de Deus; a necessidade de promover uma paz estável entre todos os povos, sobre bases sólidas de justiça e solidariedade; a importância da família, fundada no matrimônio indissolúvel, para a sociedade e para a Igreja.

Em seguida, abençoaria as retas soluções que cada cristão desse a esses pontos, de acordo com o seu critério pessoal e sua responsabilidade como fiel da Igreja e como cidadão.

É crescente o papel da mulher dentro do Opus Dei?

Bem, eu diria que dentro e fora. Desde os inícios das atividades do Opus Dei dirigidas a mulheres, em 14 de fevereiro de 1930, o Bem-aventurado Josemaría encarou esse trabalho em toda a sua amplitude. A mensagem fundacional foi expressa exatamente nos mesmos termos a homens e mulheres, sem nenhum tipo de diferença.

Por isso, deixando de lado o sacerdócio ministerial — reservado na Igreja, por disposição divina, aos homens, como se sabe — , no Opus Dei as mulheres tiveram e têm responsabilidades da mesma importância que os homens, nem mais, nem menos. Cada uma, no seu trabalho profissional e através do seu trabalho profissional, procura levar a luz de Cristo ao ambiente onde está.

Hoje, indubitavelmente, é grande o desafio que a mulher cristã tem adiante; uma tarefa para encher de entusiasmo, porque cada uma delas representa, se quiser, um papel transcendental na vida social e na vida da Igreja.

Qual é a relação entre os novos movimentos e associações na Igreja com a vida religiosa?

Quando rezo o Credo, gosto de saborear cada uma das notas que definem a Igreja: Una, Santa, Católica e Apostólica. A Igreja é intrinsecamente una, não um aglomerado de elementos dispersos. É um organismo, um corpo, o Corpo Místico de Cristo, no qual os diferentes membros, com a sua enriquecedora diversidade, precisam uns dos outros.

Todo o valor do Opus Dei está em ser parte da Igreja: sem esse estar na Igreja, o Opus Dei se desfaria. Por isso, qualquer outra luz que se acende para servir a Jesus Cristo, é algo próximo a mim, próprio, expressão da iniciativa do mesmo Espírito, do empenho em anunciar Jesus Cristo.

No plano prático, o Opus Dei procura manter uma relação fraterna com todas as realidades da Igreja. E conta com o apoio da oração e do carinho de muitas pessoas: para mencionar apenas um exemplo, mais de quinhentas comunidades contemplativas são cooperadoras do Opus Dei.

Quais são as principais ações apostólicas do Opus Dei na Espanha, no campo da nova evangelização?

Como em outros países, parece-me que a principal contribuição dos fiéis do Opus Dei com a nova evangelização na Espanha é o seu apostolado pessoal, o trabalho que cada um desenvolve para anunciar a Cristo no seu próprio ambiente.

A Prelazia se ocupa de transmitir uma formação espiritual, cristã, viva, não teórica ou atemporal, mas sensível às circunstâncias e aos desafios do momento e às prioridades evangelizadoras que o Papa propõe e — no âmbito das diferentes Igrejas particulares — os meus irmãos bispos.

Depois, cada um deve procurar transmitir essa mensagem à sua família, em seu ambiente de trabalho, entre os seus amigos, nas associações a que pertença. O efeito multiplicador é grande e não pode ser limitado às diversas iniciativas de caráter educativo, social, assistencial, etc., já existentes.

O que Deus faz na alma que se decide a seguir Cristo, isto é o que é verdadeiramente fecundo. Eu não teria nenhum inconveniente em fazer uma enumeração dos trabalhos apostólicos, mas creio que já são bastante conhecidos.

Opus Dei, fé e cultura

Sobre quais bases se deve desenvolver o diálogo fé-cultura? Qual é a principal contribuição dos fiéis do Opus Dei para o apostolado do pensamento?

O Bem-aventurado Josemaría descreveu as bases desse diálogo num dos seus livros: "Amplidão de horizontes e um aprofundamento enérgico no que é permanentemente vivo na ortodoxia católica; empenho reto e sadio — nunca frivolidade — em renovar as doutrinas típicas do pensamento tradicional, na filosofia e na interpretação da história...; uma cuidadosa atenção às orientações da ciência e do pensamento contemporâneos; e uma atitude positiva e aberta ante a transformação atual das estruturas sociais e das formas de vida" (Sulco, 428).

Pouca coisa tenho a acrescentar a essas palavras. Uma fé que não se torna cultura está apagada, e uma cultura sem fé carece de alma, de alento para o homem e para a sociedade.

O que considera mais importante: a espiritualidade, ou a projeção social da espiritualidade?

Talvez exista alguma espiritualidade intimista, sem nenhum tipo de projeção a seu redor; e pode existir também algum tipo de atividade social sem nenhum substrato espiritual. O cristianismo não pode ser reduzido a nenhuma das duas possibilidades.

Na Igreja, mesmo as formas mais puras de vida contemplativa têm um reflexo imediato — riquíssimo — nos outros, por meio da comunhão dos santos; e qualquer iniciativa social está necessariamente inspirada pela fé, pelo descobrimento de Cristo no rosto do necessitado.

Não vejo nenhuma necessidade de fazer uma opção entre espírito e ação social. Pode haver traços mais marcantes num sentido ou noutro, mas ambos são importantes — mais ainda, necessários. Jesus Cristo passava longos períodos retirado em oração, mas também trabalhou muitos anos em Nazaré, percorreu toda a sua terra pregando, curando doentes, comendo com amigos...amando sempre.

Numa Espanha dividida esquizofrenicamente entre a fé e a vida, como é notado o testemunho da vida cotidiana dos membros do Opus Dei socialmente influentes?

Aprendi do Bem-aventurado Josemaría a valorizar a unidade de vida como característica fundamental da existência cristã. Também qualifico de enfermiça a separação entre a fé e a vida, que não é um fenômeno exclusivamente espanhol: nem sempre é fácil ser coerente com a fé, e não é de se estranhar, portanto, que no acontecer social de todos os homens — sem exceção — corramos o risco de ceder tantas vezes às sugestões do poder, do prestígio..., ou simplesmente da comodidade.

No entanto, cada pessoa — também eu, é lógico — um dia prestará contas a Deus do uso que fez dos seus talentos, do empenho que colocou em praticar e transmitir a força da fé e do amor cristão ao seu redor.

Sei que há na Espanha pessoas do Opus Dei, conhecidas pela opinião pública, que notoriamente procuram promover esse sentido cristão no exercício da sua atividade profissional. Isso, porém, não fica restrito a uns poucos: também aqueles que desempenham tarefas sem um relevo público ou notório estão chamados a ser fermento de Cristo no seu próprio ambiente, a vivificar todas as estruturas humanas, a partir da base, com espírito cristão.

A esta magnífica descoberta — a verdade de que não existe trabalho pequeno se é realizado em união com Cristo — referiam-se vários intelectuais de nível internacional, no recente congresso de Roma, sobre a grandeza da vida cotidiana. Não é uma descoberta reservada a pessoas com qualidades excepcionais. Diria que Deus está há muitos séculos procurando ajudar todos os homens e mulheres a compreender que está muito perto de nós.