17. Procuro o Teu rosto, Senhor

A sua alma consumia-se no desejo de contemplar, cara a cara, o rosto do Senhor: "Senhor, tenho ânsias de ver a tua cara, de admirar o teu rosto, de te contemplar...!"

São Josemaria contempla o retábulo do santuário de Nossa Senhora de Torreciudad

Quantas vezes, nos seus anos de seminarista e de jovem sacerdote, São Josemaria tinha pedido luz a Nosso Senhor com esta jaculatória: Senhor, que veja! Agora, com setenta e três anos de idade, quando sentia no corpo o peso dos trabalhos e das limitações físicas – estava praticamente cego de um dos olhos com cataratas, e via muito pouco do outro -, esta petição da sua juventude ganhava na sua alma uma nova força e um novo sentido.

A 19 de Março de 1975, festa de São José, pedia: “Senhor, já não posso mais, e no entanto tenho de ser fortaleza para os meus filhos; já não vejo a três metros de distância e tenho de olhar para o futuro, para indicar o caminho aos meus filhos: ajuda-me Tu: que veja com os teus olhos, Cristo meu! Jesus da minha alma!”.

50 anos de sacerdócio

Pouco dias depois, no dia 28 de Março de 1975, que naquele ano coincidiu com a Sexta-feira Santa, eram as bodas de ouro do seu sacerdócio. Desejava viver esse aniversário sem manifestações externas, intimamente unido à Cruz. Por isso indicou: “Não quero que preparem nenhuma festa, porque desejo passar esse jubileu de acordo com o que adotei sempre como regra de vida: ocultar-me e desaparecer é o que me é próprio, que só Jesus brilhe”.

Durante um encontro com os seus filhos

Na véspera, festa de Quinta-feira Santa, fez a sua oração em voz alta, junto do Sacrário. O seu coração espraiou-se numa fervorosa ação de graças ao Senhor: “Passados cinquenta anos, estou como uma criança que balbucia: estou a começar, a recomeçar como na minha luta interior de cada dia. E assim até ao fim dos dias que me restam. Um olhar para trás... Um panorama imenso: tantas dores, tantas alegrias. E agora, tudo alegrias, tudo alegrias... Porque temos a experiência de que a dor é o martelo do Artista, que quer fazer, de cada um, dessa massa informe que nós somos, um crucifixo, um Cristo, o alter Christus que temos de ser.

Senhor, obrigado por tudo, muito obrigado! Já te dei graças. E agora são muitas bocas, muitos corações, que te repetem em uníssono o mesmo - gratias tibi, Deus, gratias tibi! - porque não temos motivos senão para dar graças.

Não havemos de nos preocupar por nada; não devemos inquietar-nos com nada, perder a serenidade por coisa nenhuma do mundo. Senhor, que dês serenidade aos meus filhos; que não a percam sequer quando cometerem um erro de categoria. Se tomarem consciência de que o cometeram, isso já é uma graça, uma luz do Céu.

Gratias tibi, Deus, gratias tibi!. A vida de cada um de nós tem de ser um cântico de ação de graças, pois como é que se fez o Opus Dei? Fizeste-o Tu, Senhor, com quatro gatos pingados... Stulta mundi, infirma mundi et ea quae non sunt. Toda a doutrina de São Paulo se cumpriu: procuraste meios completamente ilógicos, nada adequados e estendeste o apostolado pelo mundo inteiro. Dão-Te graças em toda a Europa, e em vários pontos da Ásia, da África, em toda a América, na Oceania. Em todos os sítios te dão graças”.

Torreciudad

Retábulo do altar principal do Santuário de Torreciudad

No dia 23 de Maio, foi de novo em peregrinação a Torreciudad. Foi a sua última ida àquele santuário multissecular de devoção mariana. O novo Santuário, cuja construção tinha promovido pelo seu amor a Nossa Senhora, estava quase terminado e prestes a abrir ao culto.

Ao entrar no templo os seus olhos dirigiram-se para o óculo, situado no centro do retábulo, ao estilo de uma antiga tradição aragonesa. Ali estava o sacrário rodeado por quatro anjos orantes. Mais abaixo, o nicho com aquela imagem tão querida, venerada de há séculos naquelas terras. Contemplou, emocionado, uma a uma, as cenas do retábulo. Na capela do Santíssimo tinha querido que se expusesse à veneração dos fiéis um Cristo crucificado, ainda vivo, que contemplasse com o seu olhar redentor os que viessem orar a seus pés.

Por aquela altura a sua alma consumia-se no desejo, cada vez mais ardente, de contemplar, face a face, o rosto do Senhor: “Senhor, tenho uma grande vontade de ver a Tua face, de admirar o Teu rosto, de contemplar-Te. Amo-Te tanto, quero-Te tanto, Senhor!”.

Quando fitava a Virgem de Guadalupe

N. Sra de Guadalupe

No dia 26 de Junho de 1975, levantou-se muito cedo, como de costume; fez meia hora de oração diante do Santíssimo e celebrou a Missa votiva da Virgem Maria. Depois de um rápido pequeno-almoço, pediu aos que o acompanhavam que dissessem da sua parte a certa pessoa que, há anos, estava a oferecer a Santa Missa pela Igreja e pelo Santo Padre, “Hoje mesmo – disse - renovei este meu oferecimento a Deus pelo Papa”.

Às nove e meia partiu para Castelgandolfo onde se reuniu com um grupo de mulheres do Opus Dei que o esperavam no Colégio Romano de Santa Maria. “Vós tendes alma sacerdotal – comentou – digo como sempre que venho aqui. Os vossos irmãos leigos também têm alma sacerdotal. Podeis e deveis ajudar com essa alma sacerdotal e, juntamente com a graça do Senhor e o sacerdócio ministerial em nós, sacerdotes da Obra, faremos um trabalho eficaz…”

“Imagino que de tudo – continuou a dizer-lhes - tirais oportunidade para ter intimidade com Deus e com a sua Mãe bendita, nossa Mãe, e com São José, nosso Pai e Senhor, e com os nossos Anjos da Guarda, para ajudar a Igreja Santa , nossa Mãe, que está tão necessitada, que está a passar tão mal no mundo, neste momento! Temos de amar muito a Igreja e o Papa, seja ele quem for. Pedi ao Senhor que o nosso serviço seja eficaz para a sua Igreja e para o Santo Padre”.

Passados uns vinte minutos, sentiu-se indisposto e decidiu voltar a Roma com Álvaro del Portillo e Javier Echevarría.

Chegaram a Villa Tevere, pouco antes do meio-dia. Cumprimentou o Senhor no sacrário, com uma genuflexão pausada e reverente, e dirigiu-se para o quarto de trabalho. Ao entrar olhou com carinho uma imagem de Nossa Senhora de Guadalupe.

De repente, sentiu-se gravemente indisposto:

- Javi!... Não me sinto bem.

E caiu no chão.

Cinco anos antes, durante a sua estadia no México, havia contemplado com especial devoção uma antiga pintura em que a Virgem de Guadalupe entrega uma rosa a São João Diego.

- Gostaria de morrer assim – disse -: olhando a Santíssima Virgem e que ela me desse uma flor.

Deus concedeu-lhe esse seu desejo, e os olhos sorridentes e maternais da Virgem de Guadalupe, diante da qual tinha rezado tantas vezes, receberam o seu último olhar aqui na terra.