Palavras do Papa Francisco no Natal de 2016, e início de 2017

Disponibilizaremos aqui as palavras do Papa nas celebrações do Natal, fim de 2016 e início de 2017.

Homilias, mensagens e palavras do Papa Francisco:

Santa Missa na Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus - 50º Dia Mundial da Paz - 1˚ de janeiro de 2017


«Quanto a Maria, conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (Lc 2, 19). Assim descreve Lucas a atitude com que Maria acolhe tudo aquilo que estava a viver naqueles dias. Longe de querer compreender ou dominar a situação, Maria é a mulher que sabe conservar, isto é, proteger, guardar no seu coração a passagem de Deus na vida do seu povo. Aprendeu a sentir a pulsação do coração do seu Filho, ainda Ele estava no seu ventre, ensinando-Lhe a descobrir, durante toda a vida, o palpitar de Deus na história. Aprendeu a ser mãe e, nesta aprendizagem, proporcionou a Jesus a bela experiência de saber-Se Filho. Em Maria, o Verbo eterno não só Se fez carne, mas aprendeu também a reconhecer a ternura maternal de Deus. Com Maria, o Deus-Menino aprendeu a ouvir os anseios, as angústias, as alegrias e as esperanças do povo da promessa. Com Ela, descobriu-Se a Si mesmo como Filho do santo povo fiel de Deus.

Nos Evangelhos, Maria aparece como mulher de poucas palavras, sem grandes discursos nem protagonismos, mas com um olhar atento que sabe guardar a vida e a missão do seu Filho e, consequentemente, de tudo o que Ele ama. Soube guardar os alvores da primeira comunidade cristã, aprendendo deste modo a ser mãe duma multidão. Aproximou-Se das mais diversas situações, para semear esperança. Acompanhou as cruzes, carregadas no silêncio do coração dos seus filhos. Muitas devoções, muitos santuários e capelas nos lugares mais remotos, muitas imagens espalhadas pelas casas lembram-nos esta grande verdade. Maria deu-nos o calor materno, que nos envolve no meio das dificuldades; o calor materno que não deixa, nada e ninguém, apagar no seio da Igreja a revolução da ternura inaugurada pelo seu Filho. Onde há uma mãe, há ternura. E Maria, com a sua maternidade, mostra-nos que a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos, mas dos fortes; ensina-nos que não há necessidade de maltratar os outros para sentir-se importante (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 288). E o santo povo fiel de Deus, desde sempre, A reconheceu e aclamou como a Santa Mãe de Deus.

Celebrar, no início de um novo ano, a maternidade de Maria como Mãe de Deus e nossa mãe significa avivar uma certeza que nos há de acompanhar no decorrer dos dias: somos um povo com uma Mãe, não somos órfãos.

As mães são o antídoto mais forte contra as nossas tendências individualistas e egoístas, contra os nossos isolamentos e apatias. Uma sociedade sem mães seria não apenas uma sociedade fria, mas também uma sociedade que perdeu o coração, que perdeu o «sabor de família». Uma sociedade sem mães seria uma sociedade sem piedade, com lugar apenas para o cálculo e a especulação. Com efeito as mães, mesmo nos momentos piores, sabem testemunhar a ternura, a dedicação incondicional, a força da esperança. Aprendi muito com as mães que, tendo os filhos na prisão ou estendidos numa cama de hospital ou subjugados pela escravidão da droga, esteja frio ou calor, faça chuva ou sol, não desistem e continuam a lutar para lhes dar o melhor; ou com as mães que, nos campos de refugiados ou até no meio da guerra, conseguem abraçar e sustentar, sem hesitação, o sofrimento dos seus filhos. Mães que dão, literalmente, a vida para que nenhum dos filhos se perca. Onde estiver a mãe, há unidade, há sentido de pertença: pertença de filhos.

Começar o ano lembrando a bondade de Deus no rosto materno de Maria, no rosto materno da Igreja, nos rostos das nossas mães, protege-nos daquela doença corrosiva que é a «orfandade espiritual»: a orfandade que a alma vive quando se sente sem mãe e lhe falta a ternura de Deus; a orfandade que vivemos quando se apaga em nós o sentido de pertença a uma família, a um povo, a uma terra, ao nosso Deus; a orfandade que se aninha no coração narcisista que sabe olhar só para si mesmo e para os seus interesses, e cresce quando esquecemos que a vida foi um dom – dela somos devedores a outros – e somos convidados a partilhá-la nesta casa comum.

Foi esta orfandade autorreferencial que levou Caim a dizer: «Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Como se declarasse: ele não me pertence, não o reconheço. Tal atitude de orfandade espiritual é um câncer que silenciosamente enfraquece e degrada a alma. E assim, pouco a pouco, nos vamos degradando, já que ninguém nos pertence e nós não pertencemos a ninguém: degrado a terra, porque não me pertence; degrado os outros, porque não me pertencem; degrado a Deus, porque não Lhe pertenço; e, por fim, acabamos por nos degradar a nós próprios, porque esquecemos quem somos e o «nome» divino que temos. A perda dos laços que nos unem, típica da nossa cultura fragmentada e desunida, faz com que cresça esta sensação de orfandade e, por conseguinte, de grande vazio e solidão. A falta de contacto físico (não o virtual) vai cauterizando os nossos corações (cf. Carta enc. Laudato si’, 49), fazendo-lhes perder a capacidade da ternura e da maravilha, da piedade e da compaixão. A orfandade espiritual faz-nos perder a memória do que significa ser filhos, ser netos, ser pais, ser avós, ser amigos, ser crentes; faz-nos perder a memória do valor da diversão, do canto, do riso, do repouso, da gratuidade.

Celebrar a festa da Santa Mãe de Deus faz despontar novamente no rosto o sorriso de nos sentirmos povo, de sentir que nos pertencemos; saber que as pessoas, somente dentro duma comunidade, duma família, podem encontrar a «atmosfera», o «calor» que permite aprender a crescer humanamente, e não como meros objetos destinados a «consumir e ser consumidos». Celebrar a festa da Santa Mãe de Deus lembra-nos que não somos mercadoria de troca nem terminais recetores de informação. Somos filhos, somos família, somos povo de Deus.

Celebrar a Santa Mãe de Deus impele-nos a criar e cuidar espaços comuns que nos deem sentido de pertença, de enraizamento, que nos façam sentir em casa dentro das nossas cidades, em comunidades que nos unam e sustentem (cf. ibid., 151).

Jesus Cristo, no momento do dom maior que foi o da sua vida na cruz, nada quis reter para Si e, ao entregar a sua vida, entregou-nos também sua Mãe. Disse a Maria: Eis o teu filho, eis os teus filhos. E nós queremos acolhê-La nas nossas casas, nas nossas famílias, nas nossas comunidades, nos nossos países. Queremos encontrar o seu olhar materno: aquele olhar que nos liberta da orfandade; aquele olhar que nos lembra que somos irmãos, isto é, que eu te pertenço, que tu me pertences, que somos da mesma carne; aquele olhar que nos ensina que devemos aprender a cuidar da vida da mesma maneira e com a mesma ternura com que Ela o fez, ou seja, semeando esperança, semeando pertença, semeando fraternidade.

Celebrar a Santa Mãe de Deus lembra-nos que temos a Mãe; não somos órfãos, temos uma mãe. Professemos, juntos, esta verdade! Convido-vos a aclamá-La em pé (todos se levantam) três vezes como fizeram os fiéis de Éfeso: Santa Mãe de Deus, Santa Mãe de Deus, Santa Mãe de Deus.

Primeiras vésperas na Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus e Te Deum de ação de graças pelo ano que passou - 31 de dezembro de 2016


«Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei, para resgatar os que se encontravam sob o domínio da Lei, a fim de recebermos a adoção de filhos» (Gal 4, 4-5).

Hoje ressoam com uma força particular estas palavras de São Paulo, que, de forma breve e concisa, nos introduzem no plano que Deus tem para nós: quer que vivamos como filhos. Ecoa aqui toda a história da salvação: Aquele que não estava sujeito à Lei decidiu, por amor, deixar de lado qualquer tipo de privilégio (privus legis) e entrar pelo lugar menos esperado, a fim de nos libertar a nós que estávamos – nós, sim – sob a Lei. E a novidade é que decidiu fazê-lo na pequenez e fragilidade dum recém-nascido; decidiu aproximar-Se pessoalmente e, na sua carne, abraçar a nossa carne; na sua fraqueza, abraçar a nossa fraqueza; na sua pequenez, superar a nossa. Em Cristo, Deus não Se mascarou de homem, fez-Se homem e partilhou em tudo a nossa condição. Longe de se encerrar num estado de ideia ou essência abstrata, quis estar perto de todos aqueles que se sentem perdidos, mortificados, feridos, desanimados, abatidos e amedrontados; perto de todos aqueles que, na sua carne, carregam o peso do afastamento e da solidão, para que o pecado, a vergonha, as feridas, o desconforto, a exclusão não tenham a última palavra na vida dos seus filhos.

O presépio convida-nos a assumir esta lógica divina: não uma lógica centrada no privilégio, em favores, no compadrio; mas a lógica do encontro, da aproximação e da proximidade. O presépio convida-nos a abandonar a lógica feita de exceções para uns e exclusões para outros. O próprio Deus veio quebrar a cadeia do privilégio que gera sempre exclusão, para inaugurar a carícia da compaixão que gera a inclusão, que faz resplandecer em cada pessoa a dignidade para que foi criada. Um menino envolto em panos mostra-nos a força de Deus que interpela como dom, como oferta, como fermento e oportunidade para criar uma cultura do encontro.

Não podemos dar-nos ao luxo de ser ingénuos; sabemos que nos vem, de vários lados, a tentação de viver nesta lógica do privilégio que, ao separar, nos separa; ao excluir, nos exclui; ao confinar os sonhos e a vida de muitos dos nossos irmãos, nos confina.

Queremos hoje, diante do Menino Jesus, admitir a necessidade que temos que o Senhor nos ilumine, pois tantas vezes parecemos míopes ou ficamos prisioneiros da atitude decididamente egocentrista de quem quer forçar os outros a entrar nos próprios esquemas. Precisamos da luz que nos faça aprender com os nossos próprios erros e tentativas, a fim de melhorar e nos vencermos; aquela luz que nasce da consciência humilde e corajosa de quem, todas as vezes, encontra força para se erguer e recomeçar.

Quando chega ao fim mais um ano, paremos diante do presépio para agradecer todos os sinais da generosidade divina na nossa vida e na nossa história, que se manifestou de inúmeras maneiras no testemunho de tantos rostos que anonimamente souberam arriscar. Agradecimento esse, que não quer ser nostalgia estéril nem vã recordação do passado idealizado e desencarnado, mas memória viva que ajude a suscitar a criatividade pessoal e comunitária, pois sabemos que Deus está connosco. Deus está connosco!

Paremos diante do presépio a contemplar como Deus Se fez presente durante todo este ano, lembrando-nos assim de que cada tempo, cada momento é portador de graça e bênção. O presépio desafia-nos a não dar nada e ninguém como perdido. Ver o presépio significa encontrar a força de ocupar o nosso lugar na história, sem nos perdermos em lamentos nem azedumes, sem nos fecharmos nem evadirmos, sem procurar atalhos que nos privilegiem. Ver o presépio implica saber que o tempo que nos espera requer iniciativas cheias de audácia e esperança, bem como a renúncia a vãos protagonismos ou a lutas intermináveis para sobressair.

Ver o presépio é descobrir como Deus Se envolve envolvendo-nos, tornando-nos parte da sua obra, convidando-nos a acolher com coragem e decisão o futuro que temos à nossa frente.

E ao ver o presépio, deparamo-nos com os rostos de José e Maria: rostos jovens, cheios de esperanças e aspirações, cheios de incertezas; rostos jovens, que perscrutam o futuro com a tarefa não fácil de ajudar o Deus-Menino a crescer. Não se pode falar de futuro sem contemplar estes rostos jovens e assumir a responsabilidade que temos para com os nossos jovens; mais do que responsabilidade, a palavra justa é dívida: sim, a dívida que temos para com eles. Falar de um ano que termina, é sentirmo-nos convidados a pensar como estamos a interessar-nos com o lugar que os jovens têm na nossa sociedade.

Criamos uma cultura que por um lado idolatra a juventude procurando torná-la eterna, mas por outro, paradoxalmente, condenamos os nossos jovens a não possuir um espaço de real inserção, porque lentamente os fomos marginalizando da vida pública, obrigando-os a emigrar ou a mendigar ocupação que não existe ou que não lhes permite projetar o amanhã. Privilegiamos a especulação em vez de trabalhos dignos e genuínos que lhes permitam ser protagonistas ativos na vida da nossa sociedade. Esperamos deles e exigimos que sejam fermento de futuro, mas discriminamo-los e «condenamo-los» a bater a portas que, na maioria delas, permanecem fechadas.

Somos convidados a não ser como o estalajadeiro de Belém que, à vista do jovem casal, dizia: aqui não há lugar. Não havia lugar para a vida, não havia lugar para o futuro. A cada um de nós é pedido para assumir o compromisso próprio – por mais insignificante que possa parecer – de ajudar os nossos jovens a encontrar aqui na sua terra, na sua pátria, horizontes concretos de um futuro a construir. Não nos privemos da força das suas mãos, das suas inteligências, das suas capacidades de profetizar os sonhos dos seus idosos (cf. Jl 3, 1). Se queremos apontar para um futuro que seja digno deles, só o poderemos alcançar apostando numa verdadeira inclusão: a inclusão resultante do trabalho digno, livre, criativo, participativo e solidário (cf. Discurso na atribuição do Prémio Carlos Magno, 6 de maio de 2016).

Ver o presépio desafia-nos a ajudar os nossos jovens para não ficarem desiludidos à vista das nossas imaturidades, e a estimulá-los para que sejam capazes de sonhar e lutar pelos seus sonhos; capazes de crescer e tornar-se pais e mães do nosso povo.

Olhando o ano que acaba, como nos faz bem contemplar o Deus-Menino! É um convite a voltar às fontes e às raízes da nossa fé. Em Jesus, a fé faz-se esperança, torna-se fermento e bênção: «Ele permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos defrauda e sempre nos pode restituir a alegria» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 3).

Mensagem "Urbi et Obri" no dia do Natal - 25 de dezembro de 2016


Queridos irmãos e irmãs, feliz Natal!

Hoje, a Igreja revive a maravilha sentida pela Virgem Maria, São José e os pastores de Belém ao contemplarem o Menino que nasceu e repousa numa manjedoura: Jesus, o Salvador.

Neste dia cheio de luz, ressoa o anúncio profético:

«Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado; tem a soberania sobre os seus ombros e o seu nome é: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe da Paz» (Is 9, 5).

O poder deste Menino, Filho de Deus e de Maria, não é o poder deste mundo, baseado na força e na riqueza; é o poder do amor. É o poder que criou o céu e a terra, que dá vida a toda a criatura: aos minerais, às plantas, aos animais; é a força que atrai o homem e a mulher e faz deles uma só carne, uma só existência; é o poder que regenera a vida, que perdoa as culpas, reconcilia os inimigos, transforma o mal em bem. É o poder de Deus. Este poder do amor levou Jesus Cristo a despojar-Se da sua glória e fazer-Se homem; e levá-Lo-á a dar a vida na cruz e ressurgir dentre os mortos. É o poder do serviço, que estabelece no mundo o reino de Deus, reino de justiça e paz.

Por isso, o nascimento de Jesus é acompanhado pelo canto dos anjos que anunciam:

«Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens do seu agrado» (Lc 2, 14).

Hoje este anúncio percorre a terra inteira e quer chegar a todos os povos, especialmente aos povos que vivem atribulados pela guerra e duros conflitos e sentem mais intensamente o desejo da paz.

Paz aos homens e mulheres na martirizada Síria, onde já demasiado sangue foi versado. Sobretudo na cidade de Alepo, cenário nas últimas semanas de uma das batalhas mais atrozes, é tão urgente que, respeitando o direito humanitário, se assegurem assistência e conforto à população civil exausta, que se encontra ainda numa situação desesperada e de grande tribulação e miséria. É tempo que as armas se calem definitivamente, e a comunidade internacional se empenhe ativamente para se alcançar uma solução negociada e restabelecer a convivência civil no país.

Paz às mulheres e homens da amada Terra Santa, eleita e predileta de Deus. Israelitas e palestinenses tenham a coragem e a determinação de escrever uma página nova da história, onde o ódio e a vingança cedam o lugar à vontade de construir, juntos, um futuro de mútua compreensão e harmonia. Possam reencontrar unidade e concórdia o Iraque, a Líbia e o Iémen, onde as populações padecem a guerra e brutais ações terroristas.

Paz aos homens e mulheres em várias regiões da África, particularmente na Nigéria, onde o terrorismo fundamentalista usa mesmo as crianças para perpetuar horror e morte. Paz no Sudão do Sul e na República Democrática do Congo, para que sejam sanadas as divisões e todas as pessoas de boa vontade se esforcem por embocar um caminho de desenvolvimento e partilha, preferindo a cultura do diálogo à lógica do conflito.

Paz às mulheres e homens que sofrem ainda as consequências do conflito no leste da Ucrânia, onde urge uma vontade comum de levar alívio à população e implementar os compromissos assumidos.

Concórdia, invocamos para o querido povo colombiano, que anela realizar um novo e corajoso caminho de diálogo e reconciliação. Tal coragem anime também a amada Venezuela a empreender os passos necessários para pôr fim às tensões atuais e edificar, juntos, um futuro de esperança para toda a população.

Paz para todos aqueles que, em diferentes áreas, suportam sofrimentos devido a perigos constantes e injustiças persistentes. Possa o Myanmar consolidar os esforços por favorecer a convivência pacífica e, com a ajuda da comunidade internacional, prestar a necessária proteção e assistência humanitária a quantos, delas, têm grave e urgente necessidade. Possa a Península Coreana ver as tensões que a atravessam superadas num renovado espírito de colaboração.

Paz para quem foi ferido ou perdeu uma pessoa querida por causa de brutais atos de terrorismo, que semearam pavor e morte no coração de muitos países e cidades. Paz – não em palavras, mas real e concreta – aos nossos irmãos e irmãs abandonados e excluídos, àqueles que padecem a fome e a quantos são vítimas de violência. Paz aos deslocados, aos migrantes e aos refugiados, a todos aqueles hoje são objeto do tráfico de pessoas. Paz aos povos que sofrem por causa das ambições econômicos de poucos e da avidez insaciável do deus-dinheiro que leva à escravidão. Paz a quem suporta dificuldades sociais e econômicas e a quem padece as consequências dos terremotos ou doutras catástrofes naturais.

E paz às crianças, neste dia especial em que Deus Se faz criança, sobretudo às privadas das alegrias da infância por causa da fome, das guerras e do egoísmo dos adultos.

Paz na terra a todas as pessoas de boa vontade, que trabalham diariamente, com discrição e paciência, em família e na sociedade para construir um mundo mais humano e mais justo, sustentadas pela convicção de que só há possibilidade dum futuro mais próspero para todos com a paz.

Queridos irmãos e irmãs!

«Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado»: é o «Príncipe da Paz». Acolhamo-Lo!

[depois da Bênção]

A vós, queridos irmãos e irmãs, unidos de todo o mundo nesta Praça e a quantos estão unidos conosco de vários países através do rádio, televisão e outros meios de comunicação, formulo os meus cordiais votos.

Neste dia de alegria, todos somos chamados a contemplar o Menino Jesus, que devolve a esperança a todo o ser humano sobre a face da terra. Com a sua graça, demos voz e demos corpo a esta esperança, testemunhando a solidariedade e a paz. Feliz Natal para todos!

Homilia na Missa de Meia Noite - 24 de dezembro de 2016

«Manifestou-se a graça de Deus, portadora de salvação para todos os homens» (Tt 2, 11). Estas palavras do apóstolo Paulo revelam o mistério desta noite santa: manifestou-se a graça de Deus, o seu presente gratuito; no Menino que nos é dado, concretiza-se o amor de Deus por nós.

É uma noite de glória, a glória proclamada pelos anjos em Belém e também por nós em todo o mundo. É uma noite de alegria, porque, desde agora e para sempre, Deus, o Eterno, o Infinito, é Deus conosco: não está longe, não temos de O procurar nas órbitas celestes nem em qualquer ideia mística; está próximo, fez-Se homem e não Se separará jamais desta nossa humanidade que assumiu. É uma noite de luz: a luz, profetizada por Isaías e que havia de iluminar quem caminha em terra tenebrosa (cf. 9, 1), manifestou-se e envolveu os pastores de Belém (cf. Lc 2, 9).

Os pastores descobrem, pura e simplesmente, que «um menino nasceu para nós» (Is 9, 5) e compreendem que toda aquela glória, toda aquela alegria, toda aquela luz se concentram num único ponto, no sinal que o anjo lhes indicou: «Encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura» (Lc 2, 12). Este é o sinal de sempre para encontrar Jesus; não só então, mas hoje também. Se queremos festejar o verdadeiro Natal, contemplemos este sinal: a simplicidade frágil dum pequenino recém-nascido, a mansidão que demonstra no estar deitado, a ternura afetuosa das fraldas que O envolvem. Ali está Deus.

E com este sinal, o Evangelho desvenda-nos um paradoxo: fala do imperador, do governador, dos grandes de então, mas Deus não Se apresentou lá; não aparece no salão nobre dum palácio real, mas na pobreza dum curral; não nos fastos ilusórios, mas na simplicidade da vida; não no poder, mas numa pequenez que nos deixa surpreendidos. E, para O encontrar, é preciso ir aonde Ele está: é preciso inclinar-se, abaixar-se, fazer-se pequenino. O Menino que nasce interpela-nos: chama-nos a deixar as ilusões do efémero para ir ao essencial, renunciar às nossas pretensões insaciáveis, abandonar aquela perene insatisfação e a tristeza por algo que sempre nos faltará. Far-nos-á bem deixar estas coisas, para reencontrar na simplicidade de Deus-Menino a paz, a alegria, o sentido luminoso da vida.

Deixemo-nos interpelar pelo Menino na manjedoura, mas deixemo-nos interpelar também pelas crianças que, hoje, não são reclinadas num berço nem acariciadas pelo carinho duma mãe e dum pai, mas repousam nas miseráveis «manjedouras de dignidade»: no abrigo subterrâneo para escapar aos bombardeamentos, na calçada duma grande cidade, no fundo dum barco sobrecarregado de migrantes. Deixemo-nos interpelar pelas crianças que não se deixam nascer, as que choram porque ninguém lhes sacia a fome, aquelas que na mão não têm brinquedos, mas armas.

O mistério do Natal, que é luz e alegria, interpela e mexe conosco, porque é um mistério de esperança e simultaneamentede tristeza. Traz consigo um sabor de tristeza, já que o amor não é acolhido, a vida é descartada. Assim acontece a José e Maria, que encontraram as portas fechadas e puseram Jesus numa manjedoura, «por não haver lugar para eles na hospedaria» (Lc 2, 7). Jesus nasce rejeitado por alguns e na indiferença da maioria. E a mesma indiferença pode reinar também hoje, quando o Natal se torna uma festa onde os protagonistas somos nós, em vez de ser Ele; quando as luzes do comércio põem na sombra a luz de Deus; quando nos afanamos com as prendas e ficamos insensíveis a quem está marginalizado. Esta mundanidade fez refém o Natal; é preciso libertá-lo!

Mas o Natal tem sobretudo um sabor de esperança, porque, não obstante as nossas trevas, resplandece a luz de Deus. A sua luz gentil não mete medo; enamorado por nós, Deus atrai-nos com a sua ternura, nascendo pobre e frágil no nosso meio, como um de nós. Nasce em Belém, que significa «casa do pão»; deste modo parece querer dizer-nos que nasce como pão para nós; vem à nossa vida, para nos dar a sua vida; vem ao nosso mundo, para nos trazer o seu amor. Vem, não para devorar e comandar, mas alimentar e servir. Há, pois, uma linha direta que liga a manjedoura e a cruz, onde Jesus será pão repartido: é a linha direta do amor que se dá e nos salva, que dá luz à nossa vida, paz aos nossos corações.

Compreenderam-no, naquela noite, os pastores, que se contavam entre os marginalizados de então. Mas ninguém é marginalizado aos olhos de Deus, e precisamente eles foram os convidados de Natal. Quem se sentia seguro de si, autossuficiente, ficara em casa com as suas coisas; ao contrário, os pastores «foram apressadamente» (Lc 2, 16). Deixemo-nos, também nós, interpelar e convocar nesta noite por Jesus, vamos confiadamente ter com Ele, a partir daquilo em que nos sentimos marginalizados, a partir dos nossos limites, a partir dos nossos pecados. Deixemo-nos tocar pela ternura que salva. Aproximemo-nos de Deus que Se faz próximo, detenhamo-nos a olhar o presépio, imaginemos o nascimento de Jesus: a luz e a paz, a pobreza extrema e a rejeição. Entremos no verdadeiro Natal com os pastores, levemos a Jesus aquilo que somos, as nossas marginalizações, as nossas feridas não curadas, os nossos pecados. Assim, em Jesus, saborearemos o verdadeiro espírito do Natal: a beleza de ser amado por Deus. Com Maria e José, paremos diante da manjedoura, diante de Jesus que nasce como pão para a minha vida. Contemplando o seu amor humilde e infinito, digamos-Lhe pura e simplesmente obrigado: Obrigado, porque fizestes tudo isto por mim.