Onde está a paz?

Neste discurso, Bento XVI glosa umas palavras de São Paulo "todos foram reconciliados" e diz: na realidade, nós vemos que ainda há guerra, que o mundo continua cheio de inimizade, de violência. Onde está a eficácia do Teu sacrifício, Senhor? Onde está esta paz de que nos fala o Teu apóstolo?

Neste discurso, Bento XVI glosa umas palavras de São Paulo "todos foram reconciliados" e diz: na realidade, nós vemos que ainda há guerra, que o mundo continua cheio de inimizade, de violência. Onde está a eficácia do Teu sacrifício, Senhor? Onde está esta paz de que nos fala o Teu apóstolo?

Uma realidad contrastante

Somente uma breve palavra de meditação sobre a leitura que acabamos de ouvir. Surpreende-nos, por detrás da dramática situação no Próximo Oriente, a beleza da visão ilustrada pelo Apóstolo Paulo (cf. Ef 2, 13-18): Cristo é a nossa paz. Ele reconciliou uns aos outros, judeus e pagãos, unindo-os no seu Corpo. Ultrapassou a inimizade no seu Corpo, na Cruz. Mediante a sua morte, Ele superou a inimizade e uniu todos nós na sua paz.

Porém, surpreende-nos ainda mais que a beleza desta visão, o contraste com a realidade que vivemos e vemos. E, num primeiro momento, não podemos senão dizer ao Senhor: "Mas Senhor, o que é que nos diz o vosso Apóstolo: "Estão reconciliados"?". Na realidade, nós vemos que não estão reconciliados... Ainda existe a guerra entre cristãos, muçulmanos e judeus; e há outros que fomentam a guerra e tudo ainda está repleto de inimizade e de violência. Onde está a eficácia do vosso sacrifício? Onde está, na história, aquela paz de que o vosso Apóstolo nos fala?

O mistério do “não”

Nós, homens, não podemos resolver o mistério da história, o mistério da liberdade humana de dizer "não" à paz de Deus. Não podemos resolver todo o mistério do relacionamento Deus-homem, do seu agir e do nosso responder. Temos que aceitar o mistério. Todavia, existem elementos de resposta que o Senhor nos oferece. Um primeiro elemento esta reconciliação do Senhor, este seu sacrifício não permaneceu sem eficácia. Há a grande realidade da comunhão da Igreja universal, de todos os povos, a rede da Comunhão eucarística, que transcende as fronteiras de culturas, de civilizações, de povos e de tempos. Existe esta comunhão, existem estas "ilhas de paz" no Corpo de Cristo. Existem. E são forças de paz no mundo. Quando observamos a história, podemos ver os grandes Santos da caridade que criaram "oásis" desta paz de Deus no mundo, que acenderam sempre de novo a sua luz e também eram sempre de novo capazes de reconciliar e de criar a paz.

Há os mártires que sofreram com Cristo, que deram este testemunho da paz, do amor que impõe um limite à violência.

Venceu a violência

E vendo que a realidade da paz existe não obstante subsista a outra realidade podemos entrar mais profundamente na mensagem desta Carta de São Paulo aos Efésios. O Senhor venceu na Cruz.

Não venceu com um novo império, com uma força mais poderosa do que as outras, e capaz de aniquilá-las; não venceu de maneira humana, como nós imaginamos, com um império mais forte do que o outro. Ele venceu com um amor capaz de chegar até à morte. Este é o novo modo de Deus vencer: à violência Ele não opõe uma violência mais vigorosa. À violência opõe o contrário: o amor até ao fim, a sua Cruz. Esta é a forma humilde de Deus vencer: com o seu amor e somente assim é possível Ele põe um limite à violência. Trata-se de uma maneira de vencer que nos parece muito lenta, mas é o verdadeiro modo de vencer o mal, de derrotar a violência, e devemos confiar-nos a este modo divino de vencer.

Felizes os que trabalham pela paz

Confiarmo-nos quer dizer entrarmos activamente neste amor divino, participarmos nesta obra de pacificação, para estarmos em sintonia com aquilo que o Senhor diz: "Bem-aventurados os pacificadores, os promotores da paz, porque são os filhos de Deus". Na medida da nossa capacidade, devemos levar o nosso amor a todos os sofredores, conscientes de que o Juiz do Juízo Final se identifica com as pessoas que sofrem. Por conseguinte, aquilo que realizamos pelos sofredores, fazemo-lo ao Juiz Último da nossa vida.

É isto que é importante: que neste momento possamos anunciar ao mundo esta sua vitória, participando de maneira activa na sua caridade. Hoje, num mundo multicultural e multirreligioso, muitos se sentem tentados a dizer: "É melhor para a paz no mundo entre as religiões e as culturas, não falar demasiado sobre as especificidades do Cristianismo, ou seja, de Jesus, da Igreja e dos Sacramentos. Contentemo-nos com coisas que possam ser mais ou menos comuns...". Mas não é verdade. Precisamente neste momento na hora de um grande abuso do nome de Deus precisamos do Deus que vence na Cruz, que não derrota com a violência, mas sim com o seu amor. É exactamente neste momento que temos necessidade do Rosto de Cristo, para conhecermos o autêntico Rosto de Deus e para transmitirmos, assim, reconciliação e luz a este mundo. Por isso, juntamente com o amor, com a mensagem do amor, com tudo quanto podemos fazer pelos sofredores neste mundo, temos que oferecer também o testemunho deste Deus, da vitória de Deus, precisamente mediante a não-violência da sua Cruz.

Assim, voltamos ao ponto de partida. O que podemos realizar é dar o testemunho do amor, o testemunho da fé; é sobretudo elevar um clamor a Deus: podemos rezar! Estamos certos de que o nosso Pai ouve o brado dos seus filhos. Na Missa, preparando-nos para a Sagrada Comunhão, para receber o Corpo de Cristo que nos une, oremos com a Igreja: "Livrai-nos, ó Senhor, de todos os males e dai-nos hoje a vossa paz". Seja esta a prece no momento presente: "Livrai-nos de todos os males e dai-nos hoje a vossa paz". Não amanhã ou depois de amanhã: Senhor, dai-nos hoje a vossa paz!

Amém.

Bento XVI, RHÊMES-SAINT GEORGES, 23 julho 2006