Mons. Fernando Ocáriz: Francisco convida a identificar as próprias periferias

Zenit entrevista D. Fernando Ocáriz, a propósito do seu novo cargo institucional e do livro "Sobre Deus, a Igreja e o mundo".

O Prelado junto com D. Fernando Ocáriz cumprimentam o Papa Francisco

Mons. Fernando Ocáriz nasceu em Paris em 1944. É consultor da Congregação para a Doutrina da Fé desde 1986 e de outros dicastérios da cúria romana. Em 2014, foi nomeado vigário auxiliar do Opus Dei. Recentemente, foi publicado o livro-entrevista “Sobre Deus, a Igreja e o mundo" (em italiano, “La Chiesa, mondo riconciliato"), em que o físico e teólogo, autor de vários estudos teológicos, aborda temas como o trabalho, a liberdade, a evangelização, a fé e a razão, o papel da teologia, etc. ZENIT o entrevistou sobre o seu recente livro e sobre a sua nomeação como vigário auxiliar da prelazia do Opus Dei.

No dia 12 de dezembro, Dom Javier Echevarría, prelado do Opus Dei, o nomeou vigário auxiliar com plenas competências de governo. O que significa este cargo?

Mons. Fernando Ocáriz: Os estatutos que a Igreja deu ao Opus Dei (promulgados por São João Paulo II com a constituição apostólica Ut sit) estabelecem que o ofício de prelado é vitalício. A mesma norma prevê a figura do vigário auxiliar, como ajuda para o governo da prelazia quando as circunstâncias aconselharem. Dom Javier Echevarria considerou que é hora de pôr em prática esta possibilidade, já prevista pelo fundador nos primeiros estatutos apresentados à Santa Sé. Depois de escutar os órgãos que o ajudam no governo pastoral, ele decidiu me nomear vigário auxiliar para compartilhar a mesma potestade executiva que o direito reserva ao prelado. Graças a Deus, nos últimos anos tem crescido o número de circunscrições da prelazia que dependem de modo mais direto do prelado. Tudo isso envolve um notável aumento do trabalho de governo. O vigário geral auxiliar, e o novo vigário geral, com a graça de Deus, podem oferecer ajuda para seguir essa tarefa de modo direto e manter a proximidade com as pessoas e com as instituições sociais e educativas que recebem a assistência pastoral do Opus Dei.

Como vocês estão se coordenando, no seu trabalho diário com o prelado?

Mons. Fernando Ocáriz: Nós nos coordenamos com um governo colegiado, trabalhando cada um em diversos assuntos; este modo colegial foi estabelecido por São Josemaria desde o começo do Opus Dei. Eu peço todos os dias ao Espírito Santo que me ajude a ser um fiel colaborador de Dom Javier Echevarria , que transmite tanto otimismo e desejos de fidelidade a Cristo na Igreja.

Os fiéis e cooperadores do Opus Dei costumam chamar o prelado de “pai". O que significa isto?

Mons. Fernando Ocáriz: Em muitos países, as pessoas chamam os sacerdotes e até os bispos de “pai" (“padre" em espanhol e italiano, “father" em inglês, “père" em francês, por exemplo). São Josemaria encarnou de modo intenso este sentido de paternidade espiritual. Essa vivência é transmitida aos sucessores como um legado valioso, como sopro do Espírito Santo. Eu penso na esplêndida fidelidade na continuidade do bem-aventurado Álvaro del Portillo, primeiro sucessor de São Josemaria. A paternidade do prelado faz os fiéis da prelazia experimentarem esse traço “familiar", porque a Igreja é família, tão presente na fisionomia espiritual do Opus Dei. Os estatutos da prelazia se referem à função do prelado com as palavras “mestre e pai". Isto ressalta que a tarefa que a Igreja confia ao prelado, assim como a todo pastor que está à frente de uma circunscrição eclesiástica: diocese, prelazia, etc., não se esgota no exercício da potestade de governo, mas compreende essa dimensão importantíssima da paternidade em relação a todos os fiéis, sacerdotes ou leigos, que são confiados a ele.

Quais são os desafios específicos do Opus Dei durante o pontificado do papa Francisco?

Mons. Fernando Ocáriz: O Santo Padre convida cada um a sair de si mesmo para levar Cristo às periferias não só geográficas, mas também existenciais: as do pecado, sabendo que todos somos pecadores, da dor, da injustiça, da ignorância. Esse convite nos interpela: quais são as minhas periferias? As pessoas do Opus Dei, como tantos fiéis da Igreja, testemunham a sua fé na vida de todos os dias: no lar, no trabalho, nas relações sociais. São Josemaria dizia que “existe algo santo, divino, escondido nas situações mais comuns, que cabe a cada um descobrir". Também nas periferias da vida pessoal existe esse algo santo: quando aliviamos a dor de quem está ao nosso lado, combatemos a injustiça social com o nosso trabalho bem feito, eliminamos a miséria com o serviço, reparamos em alguma medida, com a oração, o mal causado pelo pecado. Além desses desafios da vida normal, no Opus Dei nós desejamos dar força ao exemplo e às iniciativas do Santo Padre.

Por exemplo?

Mons. Fernando Ocáriz: Sabendo dar a cada pessoa o tempo de que ela precisa, rezando pelos cristãos perseguidos, levando as pessoas a amarem mais o sacramento da penitência, preocupando-nos com os imigrantes que arriscam a vida no Mediterrâneo, dialogando.

Por que Dom Javier Echevarria estabeleceu um ano mariano para os fiéis e cooperadores do Opus Dei?

Mons. Fernando Ocáriz: Este ano nasce em plena sintonia com a devoção mariana do Santo Padre e com o desejo dele de estar perto das famílias. É colocar nas mãos da Virgem Maria as necessidades da Igreja e da humanidade, especialmente das famílias. A felicidade dos homens se modela na família. Assim Dom Javier Echevarria convida todos a rezarem juntos à Mãe de Deus no lar sempre que possível: por exemplo, o terço e o ângelus. Nossa Mãe, Santa Maria, nos une com ternura a Deus e aos outros.

Em seu livro “Sobre Deus, a Igreja e o mundo", aparecem com frequência os conceitos de liberdade, tolerância e convicções pessoais. Como um cristão de hoje pode articular estes valores?

Mons. Fernando Ocáriz: Quando predomina um clima relativista, é lógico que seja considerado intolerante aquele que tem convicções firmes. O relativismo manifesta, em boa parte da cultura ocidental, a crise da razão, que renega a própria essência: tentar conhecer a verdade e o sentido da existência. Desemboca facilmente num agir egoísta. Por outro lado, a noção de tolerância é empregada com frequência como equivalente ao respeito pelas opiniões e ações diferentes das próprias. No contexto relativista, é sinônimo de indiferença: concorda com uma ideia de liberdade entendida também como indiferença. Mas o sentido original do verbo “tolerar" é o de não impedir um mal, que se sabe que é um mal e que poderia ser impedido, para evitar um mal maior.. A harmonia entre liberdade, tolerância e convicções pessoais requer atenção ao bem comum. A cultura individualista tende a ignorá-lo. Eu acho que é necessário colocar o conceito de bem comum no centro do debate público.

Hoje se fala pouco de esperança cristã, um dos temas do seu livro. Por que o senhor acha interessante falar desta virtude?

Mons. Fernando Ocáriz: Porque a esperança cristã não é uma simples consolação, como uma anestesia. Ela remete ao nosso destino supremo; sabemos que não temos na terra uma morada permanente. São Paulo coloca a esperança naquilo que está reservado para nós no céu. Ao mesmo tempo, a nossa esperança se refere à vida presente; é a pequena esperança, a de cada dia, que se fortalece com a oração e com os sacramentos, essas pegadas de Jesus Cristo, como dizia São Josemaría, num caminho que leva à felicidade eterna.

E qual é o papel da esperança diante de situações complexas como a falta de trabalho, a crise de fé e de cultura?

Mons. Fernando Ocáriz: A esperança cristã ilumina os vários aspectos da vida pessoal e social, inclusive as dificuldades que você menciona: essa luz é a verdade das coisas e o seu sentido; não garante resultados econômicos, conversões ou mudanças culturais, mas impulsiona a fazer o possível para resolver os problemas. Nasce no calor da caridade. Somos bem conscientes de que a história não pode alcançar um termo definitivo de plenitude imanente. O homem é livre e está sempre numa indeterminação aberta tanto ao progresso quanto ao fracasso. É a força do amor de Jesus Cristo, e não a nossa, que salvará o mundo.

O senhor dá bastante atenção, no livro, ao papel da mulher no mundo. Qual é a contribuição do Opus Dei à promoção da mulher na sociedade?

Mons. Fernando Ocáriz: A mensagem de São Josemaria incentiva a mulher a desenvolver uma presença ativa na ciência, na arte, no jornalismo, na empresa, na política, na ação social: em todos os âmbitos que configuram o espaço público. As mulheres do Opus Dei recebem a mesma intensidade de formação espiritual e teológica que os homens; por isso, para o governo pastoral da prelazia, o prelado e seus vigários contam com dois organismos que os assessoram, um de mulheres e outro de homens. No tocante à promoção da mulher em geral, há numerosas iniciativas no mundo inteiro: escolas, colégios, universidades, centros de capacitação em áreas socialmente carentes, etc.

E no lar?

Mons. Fernando Ocáriz: A beleza da mensagem sobre a santificação da vida de todos os dias envolve também uma revalorização das profissões relacionadas com a atenção do lar e com o serviço à pessoa. É bonito, porque poderíamos dizer que “a casa", o lar, é o lugar em que cada mulher e cada homem se refaz. Cada cristão é casa de Deus, templo vivo. A Igreja é uma casa; as mãos de Deus nos protegem, são como um teto que, ao mesmo tempo, abre o céu para nós. Na prelazia, algumas mulheres querem livremente ter como trabalho profissional a administração doméstica dos centros. São um ponto de referência para cada pessoa que se aproxima dos apostolados do Opus Dei: o exemplo e a dedicação delas humanizam as nossas vidas, nos mostram como santificar as coisas de cada dia: ensinam a amar, como só uma mãe consegue amar. Poderíamos aplicar a essas mulheres uma expressão de São João Paulo II: com um coração que vê, elas são autênticas “sentinelas do invisível".

(12 de Março de 2015) © Innovative Media Inc.