"Ela perdoou aos assassinos do seu Filho"

O Papa Francisco continua a sua viagem a Sri Lanka e Filipinas, para encontrar aos católicos destes países. Apresentamos aqui as suas homilias e discursos.

Apresentamos aqui as homilias e discursos do Papa Francisco na sua viagem apostólica a Sri Lanka e Filipinas.

Oração Mariana no Santuário de Nossa Senhora do Rosário em Madhu

Encontramo-nos na casa da nossa Mãe. Ela nos acolhe aqui na sua casa. Neste santuário de Nossa Senhora de Madhu, cada peregrino pode sentir-se em casa, porque aqui Maria nos introduz na presença do seu Filho Jesus. Aqui todos os cidadãos do Sri Lanka, tamis e cingaleses, vêm como membros de uma única família. A Maria, confiam as suas alegrias e os seus sofrimentos, as suas esperanças e as suas necessidades. Aqui, na sua casa, sentem-se seguros. Sabem que Deus está presente; sentem o seu amor; conhecem a sua terna misericórdia, a terna misericórdia de Deus.

Hoje estão aqui famílias que sofreram imenso no longo conflito que dilacerou o coração do Sri Lanka. Muitas pessoas – tanto do norte como do sul – foram mortas na violência terrível e sangrenta destes anos. Nenhum srilanquês consegue esquecer os trágicos acontecimentos relacionados com este mesmo lugar, nem o dia triste em que a venerável imagem de Maria, remontando à chegada dos primeiros cristãos ao Sri Lanka, foi levada do seu santuário.

Mas Nossa Senhora tem permanecido sempre convosco. Ela é mãe de cada casa, de cada família ferida, de todos aqueles que estão procurando voltar a uma existência pacífica. Hoje agradecemos-Lhe por ter protegido de tantos perigos, passados e presentes, o povo do Sri Lanka. Maria nunca esquece os seus filhos desta ilha esplêndida. Assim como Ela nunca saiu de junto do seu Filho na cruz, assim também nunca saiu de junto dos seus filhos srilanqueses que sofriam.

Hoje queremos agradecer a Nossa Senhora por esta presença. Depois de tanto ódio, tanta violência e tanta destruição, queremos agradecer-Lhe por continuar a trazer-nos Jesus, o único que tem o poder de curar as feridas abertas e restituir a paz aos corações destroçados. Mas queremos também pedir-Lhe que nos alcance a graça da misericórdia de Deus. Pedimos ainda a graça de nos emendarmos dos nossos pecados e de todo o mal que esta terra conheceu.

Não é fácil fazê-lo. Na verdade, só quando chegarmos a compreender, à luz da Cruz, o mal de que somos capazes e do qual porventura fomos cúmplices, é que podemos experimentar um autêntico remorso e um verdadeiro arrependimento. Só então podemos receber a graça de nos aproximarmos uns dos outros com verdadeira contrição, oferecendo e procurando um verdadeiro perdão. Neste árduo esforço de perdoar e encontrar a paz, Maria sempre está aqui a encorajar-nos, guiar-nos, levar-nos a dar mais um passo. Precisamente como Ela perdoou aos assassinos do seu Filho junto da Cruz, quando segurava nas mãos o corpo d'Ele sem vida, assim agora Ela quer guiar os srilanqueses para uma maior reconciliação, de tal modo que o bálsamo do perdão de Deus possa produzir verdadeira cura para todos.

Por fim, queremos pedir a Maria, nossa Mãe, que acompanhe com as suas orações os esforços dos cidadãos do Sri Lanka de ambas as comunidades, tamil e cingalesa, por reconstruir a unidade perdida. Pedimos que, assim como a imagem d'Ela voltou ao seu santuário de Madhu depois da guerra, assim também todos os seus filhos e filhas do Sri Lanka possam agora voltar à casa de Deus num renovado espírito de reconciliação e fraternidade.

Amados irmãos e irmãs, sinto-me feliz por estar convosco na casa de Maria. Rezemos uns pelos outros. Acima de tudo, peçamos que este santuário possa ser sempre uma casa de oração e um refúgio de paz. Por intercessão de Nossa Senhora de Madhu, que todos possam encontrar aqui inspiração e força para construir um futuro de reconciliação, justiça e paz para os filhos desta amada terra. Amen.

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Canonização do Beato José Vaz no Galle Face Green em Colombo

« Todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus» (Is 52, 10).

Esta é a magnífica profecia que ouvimos na primeira leitura de hoje. Isaías prediz o anúncio do Evangelho de Jesus Cristo até aos confins da terra. Esta profecia tem um significado especial para nós, que celebramos a canonização do grande missionário do Evangelho, São José Vaz. Ele, como tantos outros missionários na história da Igreja, respondeu à ordem dada pelo Senhor ressuscitado para fazer discípulos de todas as nações (cf. Mt 28, 19). Com as suas palavras e, o mais importante, com o exemplo da sua vida, conduziu o povo desta nação à fé que nos concede «parte na herança com todos os santificados» (Act 20, 32).

Em São José, vemos um sinal eloquente da bondade e do amor de Deus pelo povo do Sri Lanka. Mas, nele, vemos também um estímulo para perseverar no caminho do Evangelho a fim de crescermos nós próprios em santidade e testemunharmos a mensagem evangélica de reconciliação à qual dedicou a sua vida.

Padre do Oratório, José Vaz deixa Goa, sua terra natal, e chega a este país movido apenas pelo zelo missionário e por um grande amor a estes povos. Por causa da perseguição religiosa em acto, vestia-se como um mendigo, cumpria os seus deveres sacerdotais encontrando secretamente os fiéis, muitas vezes durante a noite. Os seus esforços deram energia espiritual e moral à população católica assediada. Sentia uma ânsia particular de servir os doentes e atribulados. O seu ministério em favor dos enfermos, durante uma epidemia de varíola em Kandy, foi tão apreciado pelo rei, que lhe foi concedida maior liberdade de ministério. A partir de Kandy, pôde alcançar outras partes da ilha. Deixou-se consumir pelo trabalho missionário e morreu, exausto, aos cinquenta e nove anos de idade, venerado pela sua santidade.

São José Vaz continua a ser um exemplo e um mestre por muitas razões, mas gostaria de focalizar três.

Antes de mais nada, foi um sacerdote exemplar. Hoje temos aqui connosco muitos sacerdotes, religiosos e religiosas, que, como ele, estão consagrados ao serviço do Evangelho de Deus e do próximo. Encorajo cada um de vós a olhar para São José como para um guia seguro. Ensina-nos a sair para as periferias, a fim de tornar Jesus Cristo conhecido e amado por toda a parte. Ele é também um exemplo de sofrimento paciente por causa do Evangelho, de obediência aos superiores, de solícito cuidado pela Igreja de Deus (cf. Act 20, 28). Como nós, São José viveu num período de transformações rápidas e profundas; os católicos eram uma minoria e, com frequência, dividida no seu seio; havia hostilidade ocasional, e até mesmo perseguição, dos de fora. Apesar disso, ele, permanecendo constantemente unido ao Senhor crucificado na oração, foi capaz de se tornar para todos um ícone vivo do amor misericordioso e reconciliador de Deus.

Em segundo lugar, São José mostrou-nos a importância de transcender as divisões religiosas no serviço da paz. O seu amor indiviso a Deus abriu-o ao amor do próximo; gastou o seu ministério em favor dos necessitados, sem olhar quem fosse e onde estivesse. O seu exemplo continua a inspirar hoje a Igreja no Sri Lanka, a qual, de bom grado e generosamente, serve todos os membros da sociedade. Não faz distinção de raça, credo, tribo, condição social ou religião, no serviço que proporciona através das suas escolas, hospitais, clínicas e muitas outras obras de caridade. Nada mais pede do que liberdade para exercer a sua missão. A liberdade religiosa é um direito humano fundamental. Cada indivíduo deve ser livre de procurar, sozinho ou associado com outros, a verdade, livre de expressar abertamente as suas convicções religiosas, livre de intimidações e constrições externas. Como nos ensina a vida de José Vaz, a autêntica adoração de Deus leva, não à discriminação, ao ódio e à violência, mas ao respeito pela sacralidade da vida, ao respeito pela dignidade e a liberdade dos outros e a um solícito compromisso em prol do bem-estar de todos.

Finalmente, São José oferece-nos um exemplo de zelo missionário. Embora tenha partido para o Ceilão a fim de assistir e apoiar a comunidade católica, na sua caridade evangélica ele veio para todos. Deixando para trás a sua casa, a sua família, o conforto dos lugares que lhe eram familiares, respondeu à chamada para ir mais longe, para falar de Cristo onde quer que se encontrasse. São José sabia como oferecer a verdade e a beleza do Evangelho num contexto plurirreligioso, com respeito, dedicação, perseverança e humildade. Este é, também hoje, o caminho para os seguidores de Jesus. Somos chamados a ir mais longe com o mesmo zelo, com a mesma coragem de São José, mas também com a sua sensibilidade, com o seu respeito pelos outros, com a sua ânsia de partilhar com eles a palavra da graça (cf. Act 20, 32) que tem o poder de os edificar. Somos chamados a ser discípulos missionários.

Amados irmãos e irmãs, rezo para que, seguindo o exemplo de São José Vaz, os cristãos desta nação possam ser confirmados na fé e dar uma contribuição ainda maior para a paz, a justiça e a reconciliação na sociedade srilanquesa. Isto é o que Cristo espera de vós. Isto é o que São José vos ensina. Isto é o que a Igreja precisa de vós. Confio-vos todos à intercessão do nosso novo Santo, para que, em união com toda a Igreja espalhada pelo mundo inteiro, possais cantar um cântico novo ao Senhor e proclamar a sua glória até aos confins do mundo. Porque o Senhor é grande e digno de todo o louvor (cf. Sal 96/95, 4). Amen.

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Encontro Inter-religioso e Ecumênico no Centro Congressos BMICH, Colombo

Agradeço a oportunidade de tomar parte neste encontro, que congrega, entre outras, as quatro maiores comunidades religiosas que são parte integrante da vida do Sri Lanka: budismo, hinduísmo, islamismo e cristianismo. Agradeço-vos a vossa presença e a calorosa recepção. Agradeço também a quantos ofereceram orações e bênçãos e, em particular, exprimo a minha gratidão a D. Cletus Chandrasiri Perera e ao Venerável Vigithasiri Niyangoda Thero pelas suas amáveis palavras.

Vim ao Sri Lanka seguindo os passos dos meus antecessores, os Papas Paulo VI e João Paulo II, para demonstrar o grande amor e a solicitude da Igreja Católica por esta nação. É uma graça especial para mim poder visitar a comunidade católica daqui, confirmá-la na fé em Cristo, rezar com ela e partilhar as suas alegrias e sofrimentos. De igual modo é uma graça também poder estar com todos vós, homens e mulheres destas grandes tradições religiosas, que partilhais connosco um desejo de sabedoria, verdade e santidade.

No Concílio Vaticano II, a Igreja Católica declarou o seu profundo e duradouro respeito pelas outras religiões. Afirma ela que «nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santo. Olha com sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas» (Nostra aetate, 2). Pela minha parte, desejo reafirmar o sincero respeito da Igreja por vós, vossas tradições e crenças.

É neste espírito de respeito que a Igreja Católica deseja cooperar convosco e com todas as pessoas de boa vontade na busca da prosperidade para todos os srilanqueses. Espero que a minha visita ajude a encorajar e aprofundar as várias formas de cooperação inter-religiosa e ecuménica que têm sido empreendidas nos anos recentes.

Estas louváveis iniciativas proporcionaram oportunidades de diálogo, que é essencial se nos quisermos conhecer, compreender e respeitar uns aos outros. Mas, como ensina a experiência, para que tal diálogo e encontro sejam eficazes, devem fundar-se numa apresentação completa e franca das nossas respectivas convicções. É certo que esse diálogo fará ressaltar como são diferentes as nossas crenças, tradições e práticas; mas, se formos honestos ao apresentar as nossas convicções, seremos capazes de ver mais claramente aquilo que temos em comum e abrir-se-ão novos caminhos para a mútua estima e cooperação e, seguramente, para a amizade.

Tais progressos nas relações inter-religiosas e ecuménicas assumem um significado particular e urgente no Sri Lanka. Durante muitos anos, os homens e mulheres deste país foram vítimas de contenda civil e de violência. O que é necessário agora são a cura e a unidade, não mais conflitos nem divisões. Por certo, a promoção da cura e da unidade é um nobre compromisso que incumbe sobre quantos têm a peito o bem da nação e, na verdade, da família humana inteira. Espero que a cooperação inter-religiosa e ecuménica prove que os homens e as mulheres não têm de esquecer a própria identidade, tanto étnica como religiosa, para viverem em harmonia com os seus irmãos e irmãs.

Há tantas maneiras de os seguidores das diferentes religiões levarem a cabo tal serviço. Inúmeras são as necessidades a acudir com o bálsamo sanador da solidariedade fraterna. Penso de modo particular nas necessidades materiais e espirituais dos pobres, dos indigentes, de quantos esperam ansiosamente por uma palavra de consolação e de esperança. Penso aqui também em tantas famílias que continuam a chorar a perda dos seus entes queridos.

Sobretudo neste momento da história da vossa nação há tantas pessoas de boa vontade que procuram reconstruir os fundamentos morais do conjunto da sociedade. Que o crescente espírito de cooperação entre os líderes das diferentes comunidades religiosas encontre expressão num compromisso que ponha a reconciliação de todos os srilanqueses no centro de qualquer esforço para renovar a sociedade e as suas instituições. A bem da paz, não se deve permitir que se abuse das crenças para a causa da violência ou da guerra. Devemos ser claros e inequívocos ao desafiar as nossas comunidades a viverem plenamente os princípios da paz e da coexistência, que se encontram em cada religião, e denunciar actos de violência sempre que são cometidos.

Queridos amigos, de novo vos agradeço pela generosa recepção e pela vossa atenção. Que este encontro fraterno nos confirme a todos nos esforços por viver em harmonia e espalhar as bênçãos da paz.

Cerimônia de boas-vindas no aeroporto internacional de Colombo

Obrigado pela vossa recepção calorosa. Há muito que eu esperava por esta visita ao Sri Lanka e os dias que passaremos juntos. O Sri Lanka é conhecido como a Pérola do Oceano Índico pelas suas belezas naturais. Mas, e muito mais importante, esta ilha é conhecida pelo calor do seu povo e a rica diversidade das suas tradições culturais e religiosas.

Senhor Presidente, apresento-lhe meus venturosos votos para as suas novas responsabilidades. Saúdo os ilustres membros do governo e as autoridades civis que nos honram com a sua presença. De modo especial agradeço a presença dos proeminentes líderes religiosos, que têm um papel tão importante na vida deste país. E, evidentemente, desejo manifestar o meu apreço aos fiéis, aos membros do coro, bem como às inúmeras pessoas que trabalharam para tornar possível esta visita. Agradeço a todos, do fundo do coração, pela vossa gentileza e hospitalidade.

A minha visita ao Sri Lanka é primariamente pastoral. Como pastor universal da Igreja Católica, vim para encontrar e encorajar os católicos desta ilha, bem como para rezar com eles. Um ponto central desta visita será a canonização do Beato José Vaz, cujo exemplo de caridade cristã e de respeito por todos, sem distinção de etnia ou religião, continua a servir-nos de inspiração e lição ainda hoje. Mas a minha visita quer também expressar o amor e a solicitude da Igreja por todos os srilanqueses e confirmar o desejo da comunidade católica de participar ativamente na vida desta sociedade.

É uma tragédia contínua no nosso mundo que muitas comunidades estejam em guerra entre si. A incapacidade de conciliar as diferenças e divergências, sejam elas antigas ou recentes, fez surgir tensões étnicas e religiosas, muitas vezes acompanhadas por surtos de violência. Durante muitos anos, o Sri Lanka conheceu os horrores do conflito civil e agora tem procurado consolidar a paz e curar as feridas daqueles anos. Não é tarefa fácil superar a amarga herança de injustiças, hostilidades e desconfiança deixada pelo conflito. Só se pode conseguir, superando o mal com o bem (cf. Rm12, 21) e cultivando aquelas virtudes que promovem a reconciliação, a solidariedade e a paz. Além disso, o processo de cura exige que se inclua a busca da verdade, não com o objectivo de abrir velhas feridas, mas como meio necessário para promover a justiça, a cura e a unidade.

Queridos amigos, estou convencido de que os seguidores das várias tradições religiosas têm um papel essencial a desempenhar no delicado processo de reconciliação e reconstrução em curso neste país. Para que tal processo tenha lugar, é preciso que todos os membros da sociedade trabalhem juntos; todos devem ter voz; devem ser livres de expressar as suas preocupações, as suas necessidades, as suas aspirações e os seus temores. Mais importante, porém, é estarem prontos a aceitar-se uns aos outros, respeitar as legítimas diversidades e aprender a viver como uma única família. Quando as pessoas se ouvem humilde e francamente umas às outras, pouco a pouco vão aparecendo mais visivelmente os valores e aspirações comuns. A diversidade será vista, não já como uma ameaça, mas como uma fonte de enriquecimento. Divisa-se mais claramente a estrada para a justiça, a reconciliação e a harmonia social.

Neste sentido, a grande obra de reconstrução deve incluir a melhoria das infra-estruturas e prover às necessidades materiais, mas também, e mais importante ainda, promover a dignidade humana, o respeito pelos direitos humanos e a plena inclusão de todos os membros da sociedade. Formulo votos de que os líderes políticos, religiosos e culturais do Sri Lanka, medindo as suas palavras e acção sobre a base do bem e da cura que daí resultará, prestem uma contribuição duradoura para o progresso material e espiritual do povo do Sri Lanka.

Senhor Presidente, queridos amigos! Mais uma vez vos agradeço pela vossa recepção. Possam estes dias que passaremos juntos ser dias de amizade, diálogo e solidariedade. Invoco a abundância das bênçãos de Deus sobre o Sri Lanka, a Pérola do Oceano Índico, e rezo para que a sua beleza brilhe em todo o seu esplendor para bem da prosperidade e da paz de todos os seus habitantes.

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