O Papa Francisco em Myanmar e Bangladesh

Intervenções do Papa Francisco durante sua viagem apostólica a Myanmar e Bangladesh (26/11 a 02/12). Textos atualizados no dia 04.

Domingo, 26 de novembro de 2017

Saída de avião desde o aeroporto de Roma/Fiumicino até Rangún

Encontro com os jornalistas durante o voo a Myanmar

Segunda, 27 de novembro de 2017

Recepção

Terça, 28 de novembro de 2017

Encontro com os líderes religiosos

Naipyidó: Ceremônia de bem vinda, no Palácio Presidencial

Visita de cortesia ao Presidente

Encontro com a Conselheira de Estado e Ministra de Assduntos Exteriores

Encontro com as autoridades governamentais, com a sociedade civil e com o corpo Diplomático

Quarta, 29 de novembro de 2017

Rangún: Santa Missa na Kyaikkasan Ground

Encontro com o Conselho Supremo da Sangha dos monges budistas em Kaba Aye Centre

Encontro com os bispos de Myanmar em um salão da Catedral de Santa María

Quinta, 30 de novembro de 2017

Santa Missa com os jovens na Catedral de Santa Maria

Despedida oficial no aeroporto internacional de Rangún

Saída de avião até Daca, Bangladesh

Daca: Cerimônia de boas vindas

Visita a monumento dos Mártires Nacionais de Savar

Homenagem ao Padre da Pátria em Bangabandhu Memorial Museum e assinatura no Livro de honra

Visita de cortesia ao Presidente no Palácio Presidencial

Encontro com as autoridades, a sociedade civil e o Corpo Diplomático no Palácio Presidencial

Sexta, 1 de dezembro de 2017

Santa Missa e ordenação sacerdotal no Suhrawardy Udyan Park

Visita do Primeiro Ministro na Nunciatura Apostólica

Visita a Catedral

Encontro com os bispos de Bangladesh no lar para sacerdotes jubilados

Encontro inter religioso e ecumênico pela paz no jardim do arcebispado

Sábado, 2 de dezembro de 2017

Visita privada a Casa Madre Teresa de Tejgaon

Encontro com os sacerdotes, religiosos, consagrados, seminaristas e noviças na igleja do Santo Rosário

Visita ao cemitério paroquial e a antigua igreja do Santo Rosário

Encontro com os jovens em Notre Dame College de Daca

Despedida oficial no aeroporto internacional de Daca

Saída de avião até Roma/Fiumicino


Fuso horario

Brasília: - 3h GMT

Rangún: +6h 30’ GMT

Naipyidó: +6h 30’ GMT

Daca: +6h GMT

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Encontro com os jovens em Notre Dame College de Daca

Amados jovens, queridos amigos, boa tarde!

Sinto-me grato a todos pela vossa calorosa receção. Agradeço a D. Gervas [Rozario] as suas amáveis palavras, a Upasana e Anthony os seus testemunhos. Há qualquer coisa de único nos jovens: vós estais sempre cheios de entusiasmo, sempre. E isto é bom! E eu sinto-me rejuvenescer sempre que vos encontro. Upasana, falaste disto no teu testemunho, quando disseste que eras verdadeiramente «muito entusiasta» e posso vê-lo e também notá-lo. Este entusiasmo juvenil está ligado com o espírito de aventura. Expressou-o um dos vossos poetas nacionais, Kazi Nazrul Islam, ao definir a juventude do país como «arrojada», «habituada a arrancar a luz do ventre das trevas». Isto é belo! Os jovens estão sempre prontos para avançar, fazer com que as coisas aconteçam e correr riscos. Encorajo-vos a avançar com este entusiasmo nas circunstâncias boas e nas más. Avançar, especialmente nos momentos em que vos sentis oprimidos pelos problemas e pela tristeza e, olhando para fora, parece que Deus não Se faz ver no horizonte.

Mas, ao avançar, certificai-vos de escolher o caminho certo. Que significa isto? Significa saber viajar na vida, nãovagar sem rumo. Pergunto-vos: vós viajais ou vagais? Que fazeis: viajais ou vagais sem rumo. A nossa não é vida sem direção; tem um objetivo, um objetivo que nos foi dado por Deus. Ele guia-nos, orientando-nos com a sua graça. É como se tivesse colocado dentro de nós um software, que nos ajuda a discernir o seu programa divino e a responder-lhe livremente. Mas, como qualquer software, também este precisa de ser constantemente atualizado. Mantende atualizado o vosso programa, prestando ouvidos ao Senhor e aceitando o desafio de fazer a sua vontade. O software atualizado. É triste quando o software não está atualizado; e mais triste ainda quando está avariado e deixa de servir.

Anthony, fizeste referência a este desafio no teu testemunho, quando disseste que sois homens e mulheres que estais a «crescer num mundo frágil que clama por sabedoria». Usaste a palavra sabedoria e, com ela, forneceste-nos a chave. Quando se passa do viajar ao vagar sem rumo, perdeu-se toda a sabedoria! A única coisa que nos orienta e faz avançar pelo caminho certo é a sabedoria, a sabedoria que nasce da fé. Não é a falsa sabedoria deste mundo. É a sabedoria que se vislumbra nos olhos dos pais e dos avós, que puseram a sua confiança em Deus. Como cristãos, podemos ver nos seus olhos a luz da presença de Deus, a luz que descobriram em Jesus, que é a própria sabedoria de Deus (cf. 1 Cor 1, 24). Para receber esta sabedoria, devemos ver o mundo, as nossas situações, os nossos problemas… tudo com os olhos de Deus. Recebemos esta sabedoria quando começamos a ver as coisas com os olhos de Deus, a escutar os outros com os ouvidos de Deus, a amar com o coração de Deus e a avaliar as coisas com os valores de Deus.

Esta sabedoria ajuda-nos a identificar e rejeitar as promessas falsas de felicidade. Há tantas! Uma cultura que faz promessas falsas não pode libertar; conduz apenas a um egoísmo que enche o coração de escuridão e amargura. Pelo contrário, a sabedoria de Deus ajuda-nos a saber como acolher e aceitar aqueles que agem e pensam de forma diferente de nós. É triste quando começamos a fechar-nos no nosso pequeno mundo e nos retraímos em nós próprios. Então adotamos o princípio «ou é como digo eu, ou não se faz nada». Isto é um princípio mau: «ou é como digo eu, ou não se faz nada». Isto não ajuda. E quando usamos este princípio, acabamos enredados, fechados em nós mesmos. Quando um povo, uma religião ou uma sociedade se tornam um «pequeno mundo», perdem o melhor que têm e precipitam numa mentalidade presunçosa, que faz dizer «eu sou bom, tu és mau». Upasana, destacaste as consequências desta maneira de pensar, quando disseste: «perdemos a direção e perdemo-nos a nós mesmos» e «a vida torna-se insensata». Disseste bem. A sabedoria de Deus abre-nos aos outros. Ajuda-nos a olhar para além das nossas comodidades pessoais e das falsas seguranças que nos deixam cegos perante os grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna de ser vivida.

Alegro-me por estarem connosco, ao lado dos católicos, muitos jovens amigos muçulmanos e doutras religiões. Com o facto de vos encontrardes aqui hoje, mostrais a vossa determinação de promover um clima de harmonia, onde se estende a mão aos outros, apesar das vossas diferenças religiosas. Isto lembra-me uma experiência que tive em Buenos Aires, numa nova paróquia situada numa área extremamente pobre. Um grupo de estudantes estava a construir alguns locais para a paróquia e o padre convidara-me para ir encontrá-los. Fui e, quando cheguei à paróquia, o padre apresentou-mos um a um, dizendo: «Este é o arquiteto, é judeu, este é comunista, este é católico praticante» ( Saudação aos Jovens do Centro Cultural P. F. Varela, Havana, 20 de setembro de 2015). Aqueles estudantes eram todos diferentes, mas estavam todos a trabalhar para o bem comum. Isto é importante! Não vos esqueçais: diferentes, mas trabalhando para o bem comum, em harmonia. Compreendestes? Esta é a bela harmonia que se nota aqui no Bangladesh. Aqueles estudantes, diferente entre si, estavam abertos à amizade social e decididos a dizer não a qualquer coisa que pudesse afastá-los do propósito de estarem juntos e se ajudarem uns aos outros.

A sabedoria de Deus ajuda-nos também a olhar para além de nós mesmos para intuir a bondade do nosso património cultural. A vossa cultura ensina-vos a respeitar os idosos. Isto é muito importante. Como disse antes, os idosos ajudam-nos a apreciar a continuidade das gerações. Possuem a memória e a sabedoria feita de experiência, que nos ajudam a evitar a repetição dos erros do passado. Os idosos têm o «carisma de colmar as distâncias», assegurando que os valores mais importantes sejam transmitidos aos filhos e aos netos. Através das suas palavras, do seu amor, do seu carinho e da sua presença, compreendemos que a história não começou connosco, mas somos parte de um antigo «viajar» e que a realidade é maior do que nós. Falai com os vossos pais e os vossos avós, não passeis o dia inteiro com o telemóvel, ignorando o mundo ao vosso redor! Falai com os avós, dar-vos-ão sabedoria.

Upasana e Anthony, terminastes os vossos testemunhos com palavras de esperança. A sabedoria de Deus fortalece em nós a esperança e ajuda-nos a enfrentar o futuro com coragem. Nós, cristãos, encontramos esta esperança no encontro pessoal com Jesus na oração e nos Sacramentos, e no encontro concreto com Ele nos pobres, doentes, atribulados e abandonados. Em Jesus, descobrimos a solidariedade de Deus, que caminha constantemente ao nosso lado.

Amados jovens, queridos amigos, ao olhar os vossos rostos, sinto-me cheio de alegria e esperança: alegria e esperança para vós, para o vosso país, para a Igreja e para as vossas comunidades. Que a sabedoria de Deus continue a inspirar o vosso compromisso de crescer no amor, na fraternidade e na bondade. Ao despedir-me hoje do vosso país, asseguro-vos da minha oração para que todos possais continuar a crescer no amor de Deus e do próximo. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Isshór Bangladeshké ashirbád Korun [Deus abençoe o Bangladesh).

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Encontro com os Sacerdotes, Religiosos e Religiosas, Consagrados, Seminaristas e Noviças - Discurso (improvisado) aos sacerdotes, consagrados, seminaristas e noviços

Amados irmãos e irmãs!

Agradeço ao Arcebispo Costa a sua introdução, e também as vossas intervenções. Aqui tenho preparado um discurso de oito páginas... Mas viestes aqui para escutar o Papa; não para vos aborrecerdes! Por isso, entregarei o discurso ao senhor Cardeal, que vo-lo dará depois de o fazer traduzir em bengali; entretanto dir-vos-ei o que me dita o coração. Não sei se será melhor ou pior, mas asseguro-vos que será menos aborrecido!

Quando estava a entrar e vos ia saudando, veio-me à mente uma imagem do profeta Isaías, que encontraremos precisamente como primeira Leitura na próxima terça-feira: «Naqueles dias, brotará um pequeno rebento da casa de Israel. Este rebento crescerá, crescerá, e será cheio do Espírito de Deus: Espírito de sabedoria, de inteligência, de ciência, de piedade, de temor de Deus» (cf. Is 11, 1-2). De certo modo, Isaías descreve aqui os aspetos pequenos e grandes da vida de fé, da vida de serviço a Deus. E, ao falar de vida de fé e de serviço a Deus, estais incluídos vós, que sois homens e mulheres de fé e servis a Deus.

Comecemos pelo rebento. Brota o que está no seio da terra, e isto é a semente. A semente não é tua nem minha: a semente, semeia-a Deus, e é Deus que a faz crescer. Cada um de nós pode dizer: «Eu sou um rebento». Sim, mas não por teu mérito: é mérito da semente que te faz crescer.

E eu, que devo fazer? Regá-la, regá-la para te fazer crescer e chegar à plenitude do espírito. Tal é o testemunho que deveis dar.

Como se pode regar esta semente? Cuidando dela. Cuidando da semente e cuidando do rebento que começa a crescer! Cuidar da vocação que recebemos. Como se cuida duma criança, como se cuida dum doente, como se cuida duma pessoa idosa. A vocação cuida-se com ternura humana. Se falta esta dimensão de ternura humana nas nossas comunidades, nos nossos presbitérios, o rebento fica raquítico, não cresce e pode até secar. É preciso cuidar dela com ternura, porque cada irmão do presbitério, cada irmão da Conferência Episcopal, cada irmão e irmã da minha comunidade religiosa, cada irmão seminarista é uma semente de Deus. E Deus olha-a com ternura de pai.

É verdade que, de noite, vem o inimigo e deita outra semente, e a boa semente corre o risco de ficar sufocada pela cizânia. Como é feia a cizânia nos presbitérios! Como é feia a cizânia na Conferência Episcopal! Como é feia a cizânia nas comunidades religiosas e nos Seminários! Cuidai do rebento, o rebento da boa semente, e vede como cresce; vede como difere da má semente e da erva daninha.

Um de vós – creio que foi Marcel – disse: «ir discernindo cada dia para ver como cresce a minha vocação». Cuidar é discernir. E dar-se conta de que a planta que cresce, se vai por este lado e a controlo todos os dias, cresce bem; mas, se vai para outro lado e me descuido, cresce mal. E dar-me conta de quando cresce mal ou quando há companhias, pessoas ou situações que ameaçam o crescimento. Discernir… Mas só se pode discernir, quando a pessoa tem um coração orante. Rezar. Cuidar é rezar. É pedir Àquele que deitou a semente, que me ensine a regá-la. E se eu estiver em crise ou me tiver adormentado, que a regue um pouquinho por mim. Rezar é pedir ao Senhor que cuide de nós, que nos dê a ternura que temos de dar aos outros. Esta é a primeira ideia que gostaria de vos dar: a ideia de cuidar da semente, para que o rebento cresça até à plenitude da sabedoria de Deus. Cuidá-la com solicitude, cuidá-la com a oração, cuidá-la com discernimento. Cuidá-la com ternura. Porque é assim que Deus cuida de nós: com ternura de pai.

A segunda ideia que me vem: neste jardim do Reino de Deus, não há apenas um rebento; existem milhares e milhares de rebentos, todos nós somos rebentos. E não é fácil fazer comunidade. Não é fácil. Sempre as paixões humanas, os defeitos, as limitações ameaçam a vida comunitária, ameaçam a paz. A comunidade de vida consagrada, a comunidade do Seminário, a comunidade do presbitério e a comunidade da Conferência Episcopal devem saber-se defender de qualquer tipo de divisão. Ontem, agradecemos a Deus pelo exemplo que dá o Bangladesh no campo do diálogo inter-religioso. Um dos que falaram citou uma frase do Cardeal Tauran: o Bangladesh é o melhor exemplo de harmonia no diálogo inter-religioso [ aplausos]. E este aplauso é para o Cardeal Tauran. Se ontem dissemos isso a propósito do diálogo inter-religioso, não vamos fazer o contrário dentro da nossa fé, da nossa confissão católica, das nossas comunidades! Também aqui deve ser exemplo de harmonia o Bangladesh.

São muitos os inimigos da harmonia; são muitos. Gosto de citar um, suficiente como exemplo. Talvez alguém me possa criticar por ser repetitivo, mas para mim é fundamental: o inimigo da harmonia numa comunidade religiosa, num presbitério, num Episcopado, num Seminário é o espírito da maledicência. E isto não é novidade minha; disse-o, dois mil anos atrás, um tal São Tiago numa Carta que escreveu à Igreja. A língua, irmãos e irmãs, a língua! O que destrói uma comunidade é falar mal dos outros; assinalar os defeitos dos outros. E não o dizer à pessoa interessada, mas dizê-lo aos outros, criando assim um ambiente de desconfiança, um ambiente de suspeita, um ambiente onde não há paz, mas divisão. Há uma imagem que gosto de usar para dizer o que é o espírito da maledicência: é terrorismo. Sim, terrorismo. Pois quem fala mal doutro, não o faz publicamente. O terrorista não diz publicamente: «Sou um terrorista». E quem fala mal doutro, fá-lo às escondidas: fala com um, atira a bomba e vai-se embora. E aquela bomba destrói. E ele vai, tranquilamente, atirar outra bomba. Querida irmã, querido irmão, quando tiveres vontade de falar mal doutrem, morde-te a língua; o mais provável é que ela se inche um pouco, mas não causarás dano ao teu irmão ou à tua irmã.

O espírito de divisão. Quantas vezes, nas Cartas de São Paulo, se lê a tristeza que ele sentia quando entrava este espírito na Igreja. Entretanto poderíeis perguntar-me: «Mas, padre, se vejo um defeito num irmão, numa irmã, e quero corrigi-lo, ou quero dizê-lo, mas não posso atirar a bomba, que posso fazer?» Podes fazer duas coisas (nunca as esqueças!). A primeira: se for possível – porque nem sempre o é –, di-lo à pessoa, cara a cara. Assim nos aconselha Jesus. É verdade que algum de vós me pode dizer: «Não, não se pode fazer, padre, porque é uma pessoa complicada». Complicada…, como tu! Está bem; pode ser que, por prudência, não convenha. Segundo princípio: se não o podes dizer à pessoa, di-lo a quem pode pôr remédio e a mais ninguém. Ou o dizes diretamente à pessoa, ou então di-lo à pessoa que lhe possa pôr remédio, mas privadamente, com caridade. Quantas comunidades – e não falo por ter ouvido dizer, mas porque vi – quantas comunidades vi destruírem-se pelo espírito da maledicência! Por favor, mordei-vos a língua a tempo!

E a terceira coisa que queria dizer-vos (assim pelo menos não é tão aborrecido; tereis depois a parte aborrecida no texto escrito) é procurar ter – pedir e ter – um espírito de alegria. Sem alegria, não se pode servir a Deus. Pergunto a cada um de vós (mas respondei para vós próprios, não em voz alta): «Como é a tua alegria?» Asseguro-vos que é verdadeiramente triste encontrar sacerdotes, consagrados, consagrados, seminaristas, bispos amargosos, com um rosto tão triste, que apetece perguntar: «Com que fizeste a refeição desta manhã, com vinagre?» Rosto de vinagre. Aquele amargor do coração, quando vem a semente má e diz: «Mas olha! Àquele fizeram-no superior, àquela fizeram-na superiora, àquele fizeram-no bispo... e a mim deixam-me de lado». Aí não há alegria. Santa Teresa – a grande – tem uma frase que é uma maldição; di-la às suas monjas: «Ai da monja que diz: Fizeram-me uma injustiça (usa a palavra espanhola sinrazón, ou seja, fizeram-me algo que não é razoável). Quando encontrava – dizia ela – monjas que estavam a lamentar-se porque «não me deram o que me deviam dar», ou «não me promoveram», «não me fizeram Priora» ou coisa parecida, concluía: vão por mau caminho.

Alegria. Alegria, mesmo nos momentos difíceis. Uma alegria que, embora não possa sorrir porque a dor é grande, é paz. Vem-me à mente um caso da outra Teresa, a pequena, Teresa do Menino Jesus. Ela tinha de acompanhar, todas as noites, até ao refeitório uma monja idosa intratável, sempre irritada, muito doente, uma infeliz, que se queixava de tudo. Em qualquer ponto que a tocasse, dizia: «Não, que me dói!» Certa noite, enquanto a acompanhava através do claustro, ouviu, vinda duma casa vizinha, a música duma festa, a música de pessoas que se divertiam bem, boas pessoas – como ela fizera e tinha visto as suas irmãs fazer –, e, imaginando as pessoas que dançavam, disse: «A minha grande alegria é esta, e por nada a troco». Mesmo nos momentos problemáticos, momentos de dificuldade na comunidade – suportar às vezes um superior ou uma superiora um pouco «esquisitos» – mesmo então dizer: «Estou contente, Senhor. Estou contente», como dizia Santo Alberto Hurtado.

A alegria do coração. Asseguro-vos que me dá muita ternura quando encontro sacerdotes, bispos ou irmãs idosas, que viveram a vida em plenitude. Os seus olhos são indescritíveis. Estão cheios de alegria e de paz! Quanto àqueles que não viveram a sua vida assim, Deus é bom, Deus cuida deles, mas falta-lhes aquele brilho nos olhos que possuem as pessoas que foram alegres na vida. Tentai procurar este brilho – vê-se sobretudo nas mulheres – tentai procurá-lo nas irmãs idosas, naquelas que passaram toda a vida a servir com tanta alegria e paz: possuem olhos sagazes e brilhantes... Porque têm a sabedoria do Espírito Santo.

O pequeno rebento, nestes idosos, nestas idosas, tornou-se a plenitude dos sete dons do Espírito Santo. Na próxima terça-feira, quando ouvirdes a Leitura na Missa, lembrai-vos de perguntar a vós mesmos: Cuido do rebento? Rego o rebento? Cuido do rebento nos outros? Tenho medo de ser terrorista e, por isso, nunca falo mal dos outros e abro-me ao dom da alegria?

Desejo a todos vós que a vida, como sucede ao vinho bom, vos faça amadurecer até ao fim, e que os vossos olhos brilhem daquela sagacidade, alegria e plenitude do Espírito Santo.

Rezai por mim, como eu rezo por vós.

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Encontro com os Sacerdotes, Religiosos e Religiosas, Consagrados, Seminaristas e Noviças - Discurso do Santo Padre

Amados irmãos e irmãs!

Sinto-me muito feliz por estar convosco. Agradeço ao Arcebispo Moses [Costa] a calorosa saudação que me fez em vosso nome. Estou especialmente agradecido a quantos ofereceram os seus testemunhos e partilharam connosco o seu amor a Deus. Expresso a minha gratidão também ao Padre Mintu [Palma] por ter composto a oração que, em breve, recitaremos a Nossa Senhora. Como sucessor de Pedro, é meu dever confirmar-vos na fé. Mas gostaria que soubésseis que hoje, através das vossas palavras e da vossa presença, também vós me confirmais na fé e me dais uma grande alegria.

A Comunidade católica no Bangladesh é pequena. Mas sois como o grão de mostarda que Deus, no tempo devido, fará árvore perfeita (cf. Mt 13, 31-32). Alegro-me por ver como cresce este grão e por ser testemunha direta da fé profunda que Deus vos deu. Penso nos missionários dedicados e fiéis que plantaram e cuidaram deste grão de fé durante quase cinco séculos. Em breve, visitarei o cemitério e rezarei por estes homens e mulheres que serviram, com tanta generosidade, esta Igreja local. Pousando os olhos em vós, vejo missionários que continuam esta santa obra. Vejo também muitas vocações nascidas nesta terra: são um sinal das graças com que o Senhor a está a abençoar. Uma alegria particular me dão as irmãs de clausura com a sua presença entre nós e as suas orações.

É significativo que o nosso encontro tenha lugar nesta antiga Igreja do Santo Rosário. O Rosário é uma meditação magnífica sobre os mistérios da fé que são a seiva vital da Igreja; uma oração que forja a vida espiritual e o serviço apostólico. Quer sejamos sacerdotes, religiosos, consagrados, seminaristas ou noviços, a oração do Rosário incentiva-nos a dar as nossas vidas completamente a Cristo, em união com Maria. Convida-nos a participar na solicitude de Maria para com Deus no momento da Anunciação, na compaixão de Cristo por toda a humanidade quando está pregado na cruz e na alegria da Igreja quando recebe, do Senhor ressuscitado, o dom do Espírito Santo.

A solicitude de Maria. Terá havido, ao longo da história, uma pessoa tão solícita como Maria no momento da Anunciação? Deus preparou-A para aquele momento e Ela respondeu com amor e confiança. Assim também o Senhor preparou cada um de nós e nos chamou pelo nome. Responder a tal chamada é um processo que dura toda a vida. Cada dia, somos chamados a aprender a ser mais solícitos para com o Senhor na oração, meditando as suas palavras e procurando discernir a sua vontade. Sei que o trabalho pastoral e o apostolado exigem muito de vós e que muitas vezes as vossas jornadas são longas e vos deixam cansados. Mas não podemos levar o nome de Cristo ou participar na sua missão, sem sermos antes de tudo homens e mulheres radicados no amor, inflamados pelo amor, através do encontro pessoal com Jesus na Eucaristia e nas palavras da Sagrada Escritura. Isto mesmo nos lembraste, Padre Abel, quando falaste da importância de intensificar uma relação íntima com Jesus, porque nela experimentamos a sua misericórdia e dela recebemos uma nova energia para servir os outros.

A solicitude pelo Senhor permite-nos ver o mundo através dos olhos d’Ele e, deste modo, tornar-nos mais sensíveis às necessidades daqueles a quem servimos. Começamos a entender as suas esperanças e alegrias, os medos e pesos, vemos de forma mais clara os numerosos talentos, carismas e dons que trazem para construir a Igreja na fé e na santidade. Irmão Lawrence, ao falares do teu eremitério, ajudaste-nos a compreender a importância de cuidar das pessoas procurando saciar a sua sede espiritual. Que todos vós possais, na grande variedade dos vossos serviços de apostolado, ser uma fonte de restauração espiritual e de inspiração para aqueles que servis, tornando-os capazes de partilhar cada vez mais plenamente os seus dons entre eles, promovendo a missão da Igreja.

A compaixão de Cristo. O Rosário introduz-nos na meditação da paixão e morte de Jesus. Penetrando mais profundamente nestes mistérios dolorosos, chegamos a conhecer a sua força salvífica e sentimo-nos confirmados na vocação de tomar parte neles com as nossas vidas, com a compaixão e o dom de nós mesmos. O sacerdócio e a vida religiosa não são carreiras. Não são veículos para avançar. São um serviço, uma participação no amor de Cristo que Se sacrifica pelo seu rebanho. Configurando-nos diariamente Àquele que amamos, chegamos a apreciar o facto de que as nossas vidas não nos pertencem. Já não somos nós que vivemos, mas é Cristo que vive em nós (cf. Gal 2, 20).

Encarnamos esta compaixão quando acompanhamos as pessoas, especialmente nos seus momentos de sofrimento e provação, ajudando-as a encontrar Jesus. Obrigado, Padre Franco, por teres colocado este aspeto em primeiro plano: cada um de nós é chamado a ser um missionário, levando o amor misericordioso de Cristo a todos, especialmente a quantos estão nas periferias das nossas sociedades. Sinto-me particularmente agradecido, porque muitos de vós estão comprometidos, de tantos modos, nos campos do serviço social, da saúde e da educação, atendendo às necessidades das vossas comunidades locais e dos numerosos migrantes e refugiados que chegam ao país. O vosso serviço à comunidade humana mais alargada, especialmente àqueles que estão mais necessitados, é precioso para construir uma cultura do encontro e da solidariedade.

A alegria da Igreja. Por fim, o Rosário enche-nos de alegria pelo triunfo de Cristo sobre a morte, pela sua ascensão à direita do Pai e a efusão do Espírito Santo sobre o mundo. Todo o nosso ministério tem em vista proclamar a alegria do Evangelho. Na vida e no apostolado, todos estamos bem cientes dos problemas do mundo e dos sofrimentos da humanidade, mas nunca perdemos a confiança no facto que a força do amor de Cristo prevalece sobre o mal e sobre o Príncipe da mentira, que nos procura enganar. Nunca vos deixeis desanimar pelas vossas falhas ou pelos desafios do ministério. Se permanecerdes solícitos para com o Senhor na oração e perseverardes na oferta da compaixão de Cristo aos vossos irmãos e irmãs, então o Senhor encherá certamente os vossos corações com a alegria reconfortante do seu Espírito Santo.

Irmã Mary Chandra, partilhaste connosco a alegria que brota da tua vocação religiosa e do carisma da tua Congregação. Marcelius, também tu nos falaste do amor que tu e os teus companheiros do Seminário tendes pela vocação ao sacerdócio. Lembrastes-nos, ambos, que todos somos chamados dia-a-dia a renovar e aprofundar a nossa alegria no Senhor, esforçando-nos por imitá-Lo cada vez mais plenamente. Ao princípio, isto pode parecer árduo, mas enche os nossos corações de alegria espiritual. Com efeito, cada dia torna-se uma oportunidade para começar mais uma vez, responder de novo ao Senhor. Nunca desanimeis, porque a paciência do Senhor é para nossa salvação (cf. 2 Ped 3, 15). Alegrai-vos sempre no Senhor!

Queridos irmãos e irmãs, agradeço a vossa fidelidade em servir a Cristo e à sua Igreja, através do dom da vossa vida. Asseguro a minha oração por todos vós e peço a vossa por mim. Voltemo-nos agora para Nossa Senhora, para a Rainha do Santo Rosário, pedindo-Lhe que nos obtenha, a todos, a graça de crescer em santidade e ser testemunhas sempre mais alegres da força do Evangelho, para levar cura, reconciliação e paz ao nosso mundo.

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Encontro Inter-religioso e Ecumênico pela Paz

Ilustres Convidados,
Queridos Amigos!

O nosso encontro, que reúne os representantes das diversas comunidades religiosas deste país, constitui um momento muito significativo da minha visita ao Bangladesh. Reunimo-nos para aprofundar a nossa amizade e para expressar o desejo comum do dom duma paz genuína e duradoura.

A minha gratidão ao Cardeal D'Rozario pelas suas amáveis palavras de boas-vindas e a quantos me acolheram calorosamente em nome das comunidades muçulmana, hindu, budista cristã e também da sociedade civil. Agradeço ao Bispo anglicano de Daca a sua presença, às várias Comunidades cristãs e a todos aqueles que contribuíram para tornar possível este encontro.

As palavras que ouvimos e também os cânticos e danças que animaram a nossa assembleia falaram-nos eloquentemente do desejo de harmonia, fraternidade e paz encarnado nos ensinamentos das religiões do mundo. Que o nosso encontro desta tarde seja um sinal claro dos esforços empreendidos pelos líderes e seguidores das religiões presentes neste país para viverem juntos no respeito mútuo e na boa vontade. No Bangladesh, onde o direito à liberdade religiosa é um princípio fundamental, que este compromisso seja um apelo respeitoso, mas firme, a quem procura fomentar divisão, ódio e violência em nome da religião.

Constitui um sinal particularmente reconfortante dos nossos tempos o facto de os crentes e pessoas de boa vontade se sentirem cada vez mais chamados a cooperar na formação duma cultura do encontro, diálogo e colaboração ao serviço da família humana. Isto requer mais do que simples tolerância; estimula-nos a estender a mão ao outro numa atitude de mútua confiança e compreensão, para construir uma unidade que considere a diversidade, não como ameaça, mas como potencial fonte de enriquecimento e crescimento. Anima a exercitar-nos na abertura do coração, para ver os outros como um caminho e não como um obstáculo.

Permiti-me explorar, brevemente, algumas características essenciais desta «abertura do coração», que é a condição para uma cultura do encontro.

Em primeiro lugar, é uma porta. Não é uma teoria abstrata, mas uma experiência vivenciada. Permite-nos empreender, não um mero intercâmbio de ideias, mas um diálogo de vida. Requer boa vontade e acolhimento, mas não deve ser confundida com a indiferença ou a hesitação em expressar as nossas convicções mais profundas. Comprometer-se frutuosamente com o outro significa partilhar as nossas diferentes identidades religiosas e culturais, mas sempre com humildade, honestidade e respeito.

A abertura do coração é semelhante também a uma escada que alcança o Absoluto. Ao lembrar esta dimensão transcendente da nossa atividade, damo-nos conta da necessidade de purificar os nossos corações, para podermos ver todas as coisas na sua verdadeira perspetiva. Passo a passo, ir-se-á tornando mais clara a nossa visão e receberemos a força para perseverar no compromisso de compreender e valorizar os outros e o seu ponto de vista. Assim, encontraremos a sabedoria e a força necessárias para estender a todos a mão da amizade.

A abertura do coração é também um caminho, que leva à busca de bondade, justiça e solidariedade. Induz a procurar o bem do nosso próximo. Assim exortou São Paulo, na sua carta aos cristãos de Roma: «Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem» (12, 21). Trata-se de um sentimento que todos nós podemos imitar. A solicitude religiosa pelo bem do nosso próximo, que brota dum coração aberto, flui como um grande rio, irrigando as terras áridas e desertas do ódio, da corrupção, da pobreza e da violência que lesa imenso as vidas humanas, divide as famílias e desfigura o dom da criação.

As várias comunidades religiosas do Bangladesh abraçaram de modo particular este caminho no compromisso pelo cuidado da terra, nossa casa comum, e na resposta aos desastres naturais que afligiram a nação nos últimos anos. Penso também na manifestação coletiva de pesar, oração e solidariedade que se seguiu ao trágico desabamento do Rana Plaza, que permanece gravado na mente de todos. Nestas expressões, vemos como o caminho da bondade leva à cooperação no serviço dos outros.

Um espírito de abertura, aceitação e cooperação entre os crentes não é simplesmente mais um contributo para uma cultura de harmonia e de paz; é o seu coração pulsante. Quanto necessita o nosso mundo que este coração bata com força, para contrastar o vírus da corrupção política, as ideologias religiosas destrutivas, a tentação de fechar os olhos às necessidades dos pobres, dos refugiados, das minorias perseguidas e dos mais vulneráveis! Quanta abertura é necessária para acolher as pessoas ao nosso redor, especialmente os jovens que às vezes se sentem sozinhos e confusos na busca do sentido da vida!

Queridos amigos, agradeço os vossos esforços por promover a cultura do encontro e rezo para que, com a demonstração do compromisso comum dos seguidores das religiões por discernir o bem e pô-lo em prática, possamos ajudar todos os crentes a crescerem na sabedoria e na santidade e a cooperarem para construir um mundo sempre mais humano, unido e pacífico.

Acolho-vos a todos vós no meu coração e agradeço mais uma vez o vosso acolhimento. Lembremo-nos uns dos outros, nas nossas orações.

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Encontro com os bispos de Bangladesh no lar para sacerdotes jubilados - Discurso do Santo Padre

Eminência,
Amados Irmãos no Episcopado!

Como é bom podermos estar juntos! Agradeço ao Cardeal Patrick [D'Rozario] as palavras de exórdio com que apresentou as mais variadas atividades espirituais e pastorais da Igreja no Bangladesh. Agradou-me de modo particular a sua referência ao clarividente Plano Pastoral de 1985, que pôs em evidência os princípios evangélicos e as prioridades que guiaram a vida e a missão da comunidade eclesial nesta jovem nação. A minha experiência pessoal de Aparecida, onde se lançou a Missão Continental na América do Sul, convenceu-me da fecundidade de tais planos, que envolvem todo o povo de Deus num processo contínuo de discernimento e ação.

Gosto também da duração deste plano pastoral, porque uma das doenças dos planos pastorais é que morrem jovens. Mas este está vivo desde 1985: Parabéns! Bom sucesso! Vê-se que foi bem feito, reflete a realidade do país e as necessidades pastorais; e reflete também a perseverança dos bispos.

No coração do Plano Pastoral, esteve a realidade da comunhão, que continua a inspirar o zelo missionário que carateriza a Igreja no Bangladesh. A vossa própria guia episcopal esteve tradicionalmente marcada pelo espírito de colegialidade e apoio mútuo. Isto é admirável! Este espírito de afeto colegial é compartilhado pelos vossos sacerdotes e, através deles, propagou-se pelas paróquias, pelas comunidades e pelos multiformes serviços de apostolado das vossas Igrejas locais. Nas vossas dioceses, expressa-se na seriedade com que vos dedicais às visitas pastorais e demonstrais um real interesse pelo bem do vosso povo. Peço-vos para perseverardes neste ministério de presença. Quero destacar o que se quer dizer com isto: não significa apenas fazer-se ver – pode-se fazer ver através da TV -, mas é uma presença semelhante à de Deus em nós: uma presença que se fez vizinhança, que se fez proximidade na Encarnação do Verbo, na condescendência, a condescendência do Pai que enviou o Filho para Se fazer um de nós. Gosto de como cunhastes esta expressão: «ministério de presença». O bispo é alguém que está presente e está próximo. Sempre. Repito: perseverar neste ministério de presença, o único que pode estreitar laços de comunhão unindo-vos aos vossos sacerdotes, que são vossos irmãos, filhos e colaboradores na vinha do Senhor, e aos religiosos e religiosas que prestam uma contribuição fundamental para a vida católica neste país.

Gostaria de pôr em relevo a essência dos religiosos. Estamos acostumados a dizer: Sim, há dois caminhos de santificação na Igreja, ou seja, o caminho presbiteral e o caminho laical. Mas as Irmãzinhas, que são? Leigas? Não. Por favor, é preciso desenvolver a ideia de que há um terceiro caminho de santificação: o caminho da vida consagrada. E não se trata de um adjetivo – «este é um leigo consagrado, esta é uma leiga consagrada» – mas de um substantivo: «Este é um consagrado, esta é uma consagrada». Tal como dizemos: «Este é um leigo, ou esta é uma leiga», e «este é um sacerdote». Isto é importante.

Ao mesmo tempo, pedir-vos-ia para mostrardes uma proximidade ainda maior aos fiéis leigos. Eles têm de crescer. É preciso promover a sua real participação na vida das vossas Igrejas particulares, nomeadamente através das estruturas canónicas que asseguram que as suas vozes sejam ouvidas e as suas experiências apreciadas. Reconhecei e valorizai os carismas dos leigos, homens e mulheres, e encorajai-os a colocarem os seus dons ao serviço da Igreja e do conjunto da sociedade. Penso aqui nos numerosos e zelosos catequistas desta nação – os catequistas são os pilares da evangelização –, cujo apostolado é essencial para o crescimento da fé e para a formação cristã das novas gerações. São verdadeiros missionários e guias de oração, especialmente nas áreas mais remotas. Cuidai das suas necessidades espirituais e da sua constante formação na fé. Os catequistas. Mas também os leigos que nos ajudam e acompanham, os conselheiros: os conselheiros pastorais, os conselheiros nos assuntos económicos. Numa reunião que houve há seis meses, ouvi dizer que talvez pouco mais de metade das dioceses – metade ou pouco mais – teria os dois conselhos que o Direito Canónico nos pede para ter: o pastoral e o dos assuntos económicos. E a outra metade? Isso não pode ser. Não é questão apenas duma lei, não é só uma ajuda; é espaço para os leigos.

Nestes meses de preparação para a próxima assembleia do Sínodo dos Bispos, todos somos instados a pensar como tornar os nossos jovens mais participantes da alegria, verdade e beleza da nossa fé. O Bangladesh foi abençoado com vocações para o sacerdócio – vimo-lo hoje – e para a vida religiosa; é importante garantir que os candidatos sejam bem preparados para comunicar as riquezas da fé aos outros, particularmente aos seus coetâneos. Num espírito de comunhão que une as gerações, ajudai-os a ocupar-se com alegria e entusiasmo do trabalho que outros começaram, sabendo que um dia serão eles próprios chamados a transmiti-lo.Esta disposição interior de receber a herança, fazê-la crescer e transmiti-la é o espírito apostólico de um presbitério. Que os jovens saibam que o mundo não começa com eles, que devem procurar as raízes, devem procurar as raízes históricas, religiosas... Fazer crescer aquelas raízes e transmitir os frutos. Ensinai os jovens a não ser desarraigados; ensinai-os a conversar com os idosos. Quando entrei aqui [na Casa Episcopal], encontrei os alunos do Seminário Médio. Devia ter-lhes feito duas perguntas, breves, mas fiz apenas uma. A primeira, a mais natural: «Jogais futebol?». Todos: «Sim!». A segunda era: «Ides visitar os avós, os sacerdotes anciãos? Para ouvir as histórias da sua vida, do seu apostolado?» Os formadores do Seminário devem educar os jovens seminaristas para ouvir os sacerdotes anciãos: ali estão as raízes, ali está a sabedoria da Igreja.

Na Igreja do Bangladesh, é notável a atividade social voltada para a assistência das famílias e, especificamente, o empenho na promoção das mulheres. O povo desta nação é conhecido pelo seu amor à família, pelo seu sentido de hospitalidade, pelo respeito que demonstra para com os pais e os avós e os cuidados que reserva aos idosos, aos doentes e aos mais inermes. Estes valores são confirmados e sublimados pelo Evangelho de Jesus Cristo. Uma expressão de especial gratidão é devida a todos aqueles que trabalham, silenciosamente, por apoiar as famílias cristãs na sua missão de dar testemunho diário do amor reconciliador do Senhor e tornar conhecido o seu poder de redenção. Como assinalou a Exortação Ecclesia in Asia, a família «não é simplesmente objeto dos cuidados pastorais da Igreja, mas um dos mais eficazes agentes da evangelização» (n.º 46).

Um objetivo significativo indicado no Plano Pastoral – intuição que se demonstrou verdadeiramente profética – é a opção pelos pobres. A Comunidade católica no Bangladesh pode orgulhar-se da sua história de serviço aos pobres, especialmente nas áreas mais remotas e nas comunidades tribais; continua diariamente este serviço através das suas obras de apostolado educacional, dos seus hospitais, clínicas e centros de saúde, e das obras socio-caritativas em toda a sua variedade. Contudo não cessam de aumentar, especialmente à luz da atual crise dos refugiados, as necessidades a colmar. A inspiração para as vossas obras de assistência aos necessitados deve ser sempre a caridade pastoral, que se mostra solícita no reconhecimento das feridas humanas procurando responder com generosidade a cada pessoa individualmente. Trabalhando por criar uma «cultura de misericórdia» (Carta ap. Misericordia et misera, 20), as vossas Igrejas locais demonstram – com este trabalho - a sua opção pelos pobres, reforçam a sua proclamação da misericórdia infinita do Pai e contribuem consideravelmente para o desenvolvimento integral da sua pátria.

Um momento importante da minha visita pastoral ao Bangladesh é a reunião inter-religiosa e ecuménica que terá lugar imediatamente depois deste nosso encontro. A vossa é uma nação onde a diversidade étnica reflete a diversidade das tradições religiosas. O esforço da Igreja por fazer avançar a compreensão inter-religiosa, através de seminários e programas didáticos e também por meio de contactos e convites pessoais, contribui para a difusão da boa vontade e da harmonia. Trabalhai incessantemente por construir pontes e promover o diálogo, porque estes esforços não só facilitam a comunicação entre diferentes grupos religiosos, mas despertam também as energias espirituais necessárias para a obra de construção da nação na unidade, na justiça e na paz.

Quando os líderes religiosos se pronunciam publicamente, a uma só voz, contra a violência revestida de religiosidade e procuram substituir a cultura do conflito pela cultura do encontro, inspiram-se nas raízes espirituais mais profundas das respetivas tradições. Prestam também um serviço inestimável ao futuro dos seus países e do nosso mundo, ensinando aos jovens o caminho da justiça: «é preciso acompanhar e fazer amadurecer gerações que, à lógica incendiária do mal, respondam com o crescimento paciente do bem» ( Discurso aos participantes na Conferência Internacional em prol da Paz, Al-Azhar, Cairo, 28/IV/2017).

Queridos Irmãos Bispos, agradeço ao Senhor estes momentos de diálogo e partilha fraterna. Estou contente também por esta viagem apostólica, que me trouxe ao Bangladesh, me ter permitido testemunhar a vitalidade e o ardor missionário da Igreja nesta nação. Ao apresentar ao Senhor as alegrias e as dificuldades das vossas comunidades locais, peçamos juntos uma renovada efusão do Espírito Santo, para que nos conceda «a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia ( parresia), em voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo contracorrente» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 259). Que os sacerdotes, as pessoas consagradas e os fiéis leigos confiados aos vossos cuidados pastorais possam experimentar uma força constantemente renovada nos seus esforços por serem «evangelizadores que anunciem a Boa Nova, não só com palavras mas sobretudo com uma vida transfigurada pela presença de Deus» ( Ibid., 259). Com grande afeto, concedo a todos vós a minha bênção e peço-vos, por favor, que rezeis por mim. Obrigado.

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Encontro com os bispos de Bangladesh no lar para sacerdotes jubilados - Palavras (improvisadas) do Santo Padre antes de entrar na Catedral

Boa tarde!

Agradeço a presença de todos vós, líderes cristãos, leigos que trabalhais na construção do Reino de Deus. Quando me disseram para vos saudar, veio-me à mente uma palavra que quero partilhar convosco e que o apóstolo Paulo dizia sentir dentro de si: «Ai de mim, se não evangelizar!»

Cremos que o Evangelho se vive como uma graça, como um tesouro que recebemos gratuitamente. Devemos pedir ao Senhor que nos dê a graça de sentir o mesmo que Paulo: sentir aquele fogo, sentir no coração aquela ânsia de evangelizar. Não se trata de proselitismo; isso não. A Igreja, Reino de Deus, não cresce com proselitismo, cresce com o testemunho. Trata-se de mostrar com a palavra e a vida o tesouro que nos foi dado. Isto é evangelizar. Eu vivo assim, vivo esta palavra, e que os outros vejam; mas não é fazer proselitismo.

Agradeço o que fazeis, agradeço o vosso compromisso, agradeço por mostrardes o presente que Deus nos deu.

Atrevo-me a pedir-vos um favor: guardai o tesouro que Deus nos deu no Evangelho. E a melhor maneira para o conseguirdes é a graça de Deus. Por isso vos peço: rezai muito, rezai muito para receberdes a graça de cuidar daquele tesouro.

Continuemos a caminhar, fazendo ver este tesouro que Deus nos deu gratuitamente e que, gratuitamente, devemos oferecer aos outros. Agora como irmãos, todos juntos, peçamos uns para os outros esta graça, rezando a oração que Jesus nos ensinou.

[Pai Nosso]

Que o Senhor vos abençoe e proteja. Faça brilhar o seu rosto sobre vós e vos mostre a sua graça. Que Ele vos mostre o seu rosto e vos dê a sua graça. Amen.

Não vos esqueçais de rezar por mim.

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Santa Missa e ordenação sacerdotal no Suhrawardy Udyan Park

Irmãos caríssimos!

No momento em que estes nossos filhos, que são familiares e amigos vossos, vão entrar na Ordem dos presbíteros, ponderai com atenção o grau do ministério a que eles são elevados.

É certo que todo o povo santo de Deus se torna, em Cristo, um sacerdócio real. No entanto, o nosso grande Sacerdote, Jesus Cristo, escolheu alguns discípulos para desempenharem na Igreja, em seu nome, o ministério sacerdotal em favor dos homens. Enviado pelo Pai, Ele mesmo enviou os Apóstolos por todo o mundo a fim de continuar, por meio deles e dos Bispos que lhes haviam de suceder, a sua missão de Mestre, Sacerdote e Pastor. Ora os presbíteros são constituídos cooperadores dos Bispos e, associados a eles na missão sacerdotal, são chamados ao serviço do povo de Deus.

Estes irmãos, depois de séria e prolongada reflexão, vão ser ordenados para o sacerdócio na Ordem dos presbíteros, para servirem a Cristo, Mestre, Sacerdote e Pastor, por cujo ministério o seu Corpo, que é a Igreja, cresce e se edifica como templo santo e povo de Deus.

Vós, queridos filhos, que ides entrar na Ordem dos presbíteros, exercereis, no que vos compete, o sagrado múnus de ensinar em nome de Cristo, nosso Mestre. Distribuí a todos a palavra de Deus que vós mesmos recebestes com alegria. Meditando na lei do Senhor, procurai crer o que ledes, ensinar o que credes e viver o que ensinais.

Seja o vosso ensino alimento para o povo de Deus, e o vosso viver motivo de alegria para os fiéis de Cristo, para edificardes, pela palavra e pelo exemplo, a casa que é a Igreja de Deus.

Exercereis também, em Cristo, o múnus de santificar. Pelo vosso ministério se realiza plenamente o sacrifício espiritual dos fiéis, unido ao sacrifício de Cristo, que, juntamente com eles, é oferecido pelas vossas mãos sobre o altar, de modo sacramental, na celebração dos santos mistérios. Tomai, pois, consciência do que fazeis, imitai o que realizais. Celebrando o mistério da morte e da ressurreição do Senhor, esforçai-vos por fazer morrer em vós todo o mal e por caminhar na vida nova.

Ao fazer entrar os homens no povo de Deus pelo Batismo, ao perdoar os pecados em nome de Cristo e da Igreja no sacramento da Penitência, ao aliviar os enfermos com o óleo santo, ao celebrar os ritos sagrados, ao oferecer, nas horas do dia, o louvor com ações de graças e súplicas, não só pelo povo de Deus mas também por todo o mundo, lembrai-vos de que fostes assumidos de entre os homens e postos ao serviço dos homens nas coisas que são de Deus. Realizai, pois, com verdadeira caridade e alegria constante, o ministério de Cristo Sacerdote, não procurando os vossos interesses, mas sim os de Jesus Cristo.

Finalmente, ao exercer, na parte que vos compete, o ministério de Cristo, Cabeça do Corpo da Igreja e Pastor do seu povo, procurai, filhos caríssimos, unidos e atentos ao Bispo, congregar os fiéis numa só família, a fim de poderdes conduzi-los a Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo. Trazei sempre diante de vós o exemplo do Bom Pastor que veio não para ser servido mas para servir e para buscar e salvar o que estava perdido.

Agora quero dirigir-me a vós, queridos irmãos e irmãs que viestes a esta festa, a esta grande festa de Deus que é a Ordenação destes irmãos sacerdotes. Sei que muitos de vós vieram de longe, precisando de viajar mais de dois dias. Obrigado pela vossa generosidade! Isto mostra o amor que tendes pela Igreja; isto mostra o amor que tendes por Jesus Cristo. Muito obrigado! Muito obrigado pela vossa generosidade, muito obrigado pela vossa fidelidade. Continuai a caminhar, com o espírito das Bem-aventuranças. E recomendo-vos, especialmente hoje vos recomendo que rezeis sempre pelos vossos sacerdotes, especialmente por aqueles que hoje vão receber o sacramento das Sacras Ordens. O povo de Deus apoia os sacerdotes com a oração. Tendes a responsabilidade de apoiar os sacerdotes. Alguém de vós poderia perguntar-me: «Mas, padre, como se faz para apoiar um sacerdote?» Deixai-vos guiar pela vossa generosidade. O coração generoso que tendes, dir-vos-á como apoiar os sacerdotes. Mas o primeiro apoio ao sacerdote é a oração. O povo de Deus – isto é, todos, todos – apoia o sacerdote com a oração. Nunca vos canseis de rezar pelos vossos sacerdotes. Eu sei que o fareis. Muito obrigado! E agora vamos continuar o rito da Ordenação destes diáconos, que serão os vossos sacerdotes. Obrigado.

Encontro com as autoridades, a sociedade civil e o Corpo Diplomático no Palácio Presidencial

Senhor Presidente,
Ilustres Autoridades de Estado e Civis,
Vossa Eminência, amados Irmãos no Episcopado,
Distintos membros do Corpo Diplomático,
Senhoras e Senhores!

A primeira leitura de hoje, do livro de Daniel, ajuda-nos a ver como era limitada a sabedoria do rei Baltasar e dos seus videntes. Sabiam como louvar «os deuses de ouro, de prata, de bronze, de ferro, de madeira e de pedra» ( Dn 5, 4), mas não possuíam a sabedoria para louvar a Deus em cujas mãos está a nossa vida e a nossa respiração. Ao contrário, Daniel tinha a sabedoria do Senhor e era capaz de interpretar os seus grandes mistérios.

O intérprete definitivo dos mistérios de Deus é Jesus. Ele é a sabedoria de Deus em pessoa (cf. 1 Cor 1, 24). Jesus não nos ensinou a sua sabedoria com longos discursos ou por meio de grandes demonstrações de poder político ou terreno, mas com a oferta da sua vida na cruz. Às vezes, podemos cair na armadilha de confiar na nossa própria sabedoria, mas a verdade é que facilmente perdemos o sentido da direção. Então é necessário lembrar-nos de que dispomos, à nossa frente, duma bússola segura: o Senhor crucificado. Na cruz, encontramos a sabedoria, que pode guiar a nossa vida com a luz que provém de Deus.

E da cruz vem também a cura. Lá, Jesus ofereceu as suas feridas ao Pai por nós: mediante as suas feridas, somos curados (cf. 1 Pd 2, 4). Que nunca nos falte a sabedoria de encontrar, nas feridas de Cristo, a fonte de toda a cura! Sei que muitos no Myanmar carregam as feridas da violência, quer visíveis quer invisíveis. A tentação é responder a estas lesões com uma sabedoria mundana que, como a do rei na primeira leitura, está profundamente deturpada. Pensamos que a cura possa vir do rancor e da vingança. Mas o caminho da vingança não é o caminho de Jesus.

O caminho de Jesus é radicalmente diferente. Quando o ódio e a rejeição O conduziram à paixão e à morte, Ele respondeu com o perdão e a compaixão. No Evangelho de hoje, o Senhor diz-nos que, à sua semelhança, podemos também deparar-nos com a rejeição e tantos obstáculos, mas nessa ocasião dar-nos-á uma sabedoria a que ninguém pode resistir (cf. Lc 21, 15). Aqui Ele fala do Espírito Santo, por Quem o amor de Deus foi derramado nos nossos corações (cf. Rm 5, 5). Com o dom do Espírito, Jesus torna cada um de nós capaz de ser sinal da sua sabedoria, que triunfa sobre a sabedoria deste mundo, e da sua misericórdia, que dá alívio mesmo às feridas mais dolorosas.

Na véspera da sua paixão, Jesus deu-Se aos Apóstolos sob as espécies do pão e do vinho. No dom da Eucaristia, com os olhos da fé, não só reconhecemos o dom do seu corpo e sangue, mas aprendemos também a encontrar repouso nas suas feridas, sendo nelas purificados de todos os nossos pecados e extravios. Buscando refúgio nas feridas de Cristo, possais vós, queridos irmãos e irmãs, experimentar o bálsamo salutar da misericórdia do Pai e encontrar a força de o levar aos outros, ungindo cada uma das suas feridas e dolorosas lembranças. Deste modo, sereis testemunhas fiéis da reconciliação e da paz que Deus quer que reine em cada coração humano e em todas as comunidades.

Eu sei que a Igreja no Myanmar já está a fazer muito para levar o bálsamo salutar da misericórdia de Deus aos outros, especialmente aos mais necessitados. Há sinais claros de que, mesmo com meios muito limitados, numerosas comunidades proclamam o Evangelho a outras minorias tribais, sem nunca forçar ou constringir, mas sempre convidando e acolhendo. No meio de tanta pobreza e inúmeras dificuldades, muitos de vós prestam assistência prática e solidariedade aos pobres e aos doentes. Através das canseiras diárias dos seus bispos, sacerdotes, religiosos e catequistas, e particularmente mediante o louvável trabalho do Catholic Karuna Myanmar e da generosa assistência prestada pelas Pontifícias Obras Missionárias, a Igreja neste país está a ajudar um grande número de homens, mulheres e crianças, sem distinções de religião ou de origem étnica. Posso testemunhar que aqui a Igreja está viva, que Cristo está vivo e está aqui convosco e com os vossos irmãos e irmãs das outras Comunidades cristãs. Encorajo-vos a continuar a partilhar com os outros a inestimável sabedoria que recebestes, o amor de Deus que brota do Coração de Jesus.

Jesus quer dar esta sabedoria em abundância. Ele premiará certamente os vossos esforços por espalhar sementes de cura e reconciliação nas vossas famílias, comunidades e na sociedade alargada desta nação. Porventura não nos disse Ele que a sua sabedoria é irresistível (cf. Lc 21, 15)? A sua mensagem de perdão e misericórdia obedece a uma lógica que nem todos quererão compreender, e que encontrará obstáculos. Contudo o seu amor, revelado na cruz, é definitivamente imparável. É como um GPS espiritual que nos guia infalivelmente rumo à vida íntima de Deus e ao coração do nosso próximo.

A Santíssima Virgem Maria seguiu o seu Filho mesmo na escura subida ao monte Calvário e acompanha-nos em todos os passos da nossa viagem terrena. Que Ela nos obtenha sempre a graça de ser mensageiros da verdadeira sabedoria, profundamente misericordiosos para com os necessitados, com a alegria que brota de repousar nas feridas de Jesus, que nos amou até ao fim.

Deus vos abençoe a todos! Deus abençoe a Igreja no Myanmar! Abençoe esta terra com a sua paz! Deus abençoe o Myanmar!

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Encontro com o Conselho Supremo da Sangha dos monges budistas em Kaba Aye Centre

Sinto grande alegria por estar convosco. Agradeço ao Ven. Bhaddanta Kumarabhivamsa, Presidente da Comissão Estatal Sangha Maha Nayaka, as suas palavras de boas-vindas e os seus esforços na organização da minha visita aqui hoje. Ao saudar-vos a todos, permiti-me manifestar particular apreço pela presença de Sua Excelência Thura Aung Ko, Ministro dos Assuntos Religiosos e da Cultura.

O nosso encontro é uma ocasião importante para renovar e fortalecer os laços de amizade e respeito entre budistas e católicos. É também uma oportunidade para afirmar o nosso empenho pela paz, o respeito da dignidade humana e a justiça para todo o homem e mulher. E não é só no Myanmar, mas em todo o mundo, que as pessoas precisam deste testemunho comum dos líderes religiosos. Com efeito, quando falamos a uma só voz afirmando o valor perene da justiça, da paz e da dignidade fundamental de todo o ser humano, oferecemos uma palavra de esperança. Ajudamos os budistas, os católicos e todas as pessoas a lutarem por uma maior harmonia nas suas comunidades.

Em cada idade, a humanidade experimenta injustiças, momentos de conflito e desigualdade entre as pessoas. No nosso tempo, porém, estas dificuldades parecem ser particularmente graves. Embora a sociedade tenha conseguido um grande progresso tecnológico e, em todo o mundo, as pessoas estejam cada vez mais conscientes da sua humanidade e destino comuns, as feridas dos conflitos, da pobreza e da opressão persistem e criam novas divisões. A estes desafios, não devemos jamais resignar-nos. Pois sabemos, com base nas nossas respetivas tradições espirituais, que existe realmente um caminho para avançar, há um caminho que leva à cura, à mútua compreensão e respeito; um caminho baseado na compaixão e no amor.

Quero expressar a minha estima a todos aqueles que vivem, no Myanmar, segundo as tradições religiosas do Budismo. Através dos ensinamentos de Buda e do testemunho zeloso de tantos monges e monjas, o povo desta terra foi formado nos valores da paciência, tolerância e respeito pela vida, bem como numa espiritualidade solícita e profundamente respeitadora do meio ambiente. Como sabemos, estes valores são essenciais para um desenvolvimento integral da sociedade, a começar pela unidade mais pequena e mais essencial que é a família para depois se estender à rede de relações que nos põem em estreita conexão – relações essas radicadas na cultura, na pertença étnica e nacional, e, em última análise, na pertença à humanidade comum. Numa verdadeira cultura do encontro, estes valores podem fortalecer as nossas comunidades e ajudar o conjunto da sociedade a irradiar a tão necessária luz.

O grande desafio dos nossos dias é ajudar as pessoas a abrir-se ao transcendente; ser capazes de olhar-se dentro em profundidade, conhecendo-se de tal modo a si mesmas que sintam a sua interconexão com todas as pessoas; dar-se conta de que não podemos permanecer isolados uns dos outros. Se devemos estar unidos, como é nosso propósito, ocorre superar todas as formas de incompreensão, intolerância, preconceito e ódio. Como podemos consegui-lo? As palavras de Buda oferecem a cada um de nós uma guia: «Vence o rancor com o não-rancor, vence o malvado com a bondade, vence o avarento com a generosidade, vence o mentiroso com a verdade» ( Dhammapada, XVII, 223). Sentimentos semelhantes se expressam nesta oração atribuída a São Francisco de Assis: «Senhor, fazei-me instrumento da vossa paz. Onde houver ódio fazei que eu leve o amor, onde houver ofensa que eu leve o perdão, (...) onde houver trevas que eu leve a luz, e onde houver tristeza que eu leve a alegria».

Que esta Sabedoria continue a inspirar todos os esforços para promover a paciência e a compreensão e curar as feridas dos conflitos que, ao longo dos anos, dividiram pessoas de diferentes culturas, etnias e convicções religiosas. Tais esforços não são em caso algum prerrogativa apenas de líderes religiosos, nem são de competência exclusiva do Estado. Mas é a sociedade inteira, são todos aqueles que estão presentes na comunidade que devem partilhar o trabalho de superar o conflito e a injustiça. No entanto, é responsabilidade particular dos líderes civis e religiosos garantir que cada voz seja ouvida, de tal modo que os desafios e as necessidades deste momento possam ser claramente compreendidos e confrontados num espírito de imparcialidade e mútua solidariedade. A propósito, congratulo-me com o trabalho que a Panglong Peace Conference está a fazer, e rezo por aqueles que guiam este esforço para que possam promover uma participação cada vez maior de todos os que vivem no Myanmar. Isto contribuirá certamente para o compromisso de promover a paz, a segurança e uma prosperidade que seja inclusiva de todos.

Para que estes esforços produzam frutos duradouros, tornar-se-á necessária, sem dúvida, uma maior cooperação entre líderes religiosos. A este respeito, quero que saibais que a Igreja Católica é um parceiro disponível. As oportunidades de encontro e diálogo entre os líderes religiosos revelam-se um fator importante na promoção da justiça e da paz no Myanmar. Bem sei que, no passado mês de abril, a Conferência dos Bispos Católicos organizou um encontro de dois dias sobre a paz, em que participaram os chefes das diferentes comunidades religiosas, juntamente com embaixadores e representantes de agências não-governamentais. Devendo aprofundar o nosso conhecimento mútuo e afirmar a nossa interligação e destino comum, são essenciais tais encontros. A verdadeira justiça e a paz duradoura só podem ser alcançadas, quando forem garantidas a todos.

Queridos amigos, possam os budistas e os católicos caminhar juntos por esta senda de cura e trabalhar lado a lado pelo bem de cada habitante desta terra. Nas Escrituras cristãs, o apóstolo Paulo desafia os seus ouvintes a alegrar-se com os que estão alegres, a chorar com os que choram (cf. Rm 12, 15), carregando humildemente os pesos uns dos outros (cf. Gal 6, 2). Em nome dos meus irmãos e irmãs católicos, expresso a nossa disponibilidade para continuar a caminhar convosco e a espalhar sementes de paz e de cura, de compaixão e de esperança nesta terra.

De novo vos agradeço por me terdes convidado para estar hoje aqui convosco. Sobre todos vós, invoco a bênção divina da alegria e da paz.

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Encontro com os bispos de Myanmar

Eminência, queridos Irmãos Bispos!

Hoje foi, para todos nós, um dia sobrecarregado mas de grande alegria! De manhã, celebramos a Eucaristia juntamente com os fiéis vindos de todo o país e, de tarde, encontramos os líderes da comunidade maioritária budista. Gostaria que o nosso encontro, nesta noite, fosse um momento de serena gratidão por estas bênçãos e de tranquila reflexão sobre as alegrias e os desafios do vosso ministério de pastores do rebanho de Cristo neste país. Agradeço a D. Félix [Lian Khen Thang] as palavras de saudação que me dirigiu em vosso nome; a todos vos abraço com grande afeto no Senhor.

Desejo agrupar os meus pensamentos à volta de três palavras: cura, acompanhamento e profecia.

A primeira, cura. O Evangelho, que pregamos, é sobretudo uma mensagem de cura, reconciliação e paz. Por meio do sangue de Cristo na cruz, Deus reconciliou consigo o mundo e enviou-nos para ser mensageiros daquela graça sanadora, graça de cura. Aqui no Myanmar, esta mensagem tem uma ressonância especial, pois o país está empenhado em superar divisões profundamente radicadas e construir a unidade nacional. O vosso rebanho traz os sinais deste conflito e gerou valorosas testemunhas da fé e das tradições antigas; assim, para vós, a pregação do Evangelho não deve ser apenas uma fonte de consolação e fortaleza, mas também um apelo a favorecer a unidade, a caridade e a cura na vida do povo. A unidade, que partilhamos e celebramos, nasce da diversidade (não esqueçamos isto: nasce da diversidade); valoriza as diferenças entre as pessoas como fonte de mútuo enriquecimento e de crescimento; convida-as a reencontrarem-se umas com as outras, numa cultura do encontro e da solidariedade.

Que o Senhor vos conceda, no vosso ministério episcopal, experimentar constantemente a sua guia e ajuda no compromisso de favorecer a cura e a comunhão em todos os níveis da vida da Igreja, de modo que o santo Povo de Deus, o vosso rebanho, possa, através do seu exemplo de perdão e amor reconciliador, ser sal e luz para os corações que anelam por aquela paz que o mundo não lhes pode dar. A comunidade católica no Myanmar pode-se orgulhar do seu testemunho profético de amor a Deus e ao próximo, que se traduz no compromisso a favor dos pobres, daqueles que estão privados de direitos e sobretudo, nestes tempos, a favor dos inúmeros desalojados que, por assim dizer, jazem feridos na beira da estrada. Peço-vos que transmitais a minha gratidão a todos aqueles que, como o Bom Samaritano, trabalham com generosidade para levar o bálsamo da cura a eles e ao próximo que passa necessidade, sem olhar a religião nem etnia.

O vosso ministério de cura encontra uma expressão particular no empenho pelo diálogo ecuménico e a colaboração inter-religiosa. Rezo para que produzam abundantes frutos, na reconciliação da vida do país, os vossos incessantes esforços por construir pontes de diálogo e vos unir aos seguidores doutras religiões tecendo relações de paz. A conferência inter-religiosa de paz, realizada em Rangum na primavera passada, foi um testemunho importante, aos olhos do mundo, da determinação das religiões a viver em paz e rejeitar qualquer ato de violência e de ódio perpetrado em nome da religião.

E, neste ministério de cura, lembrai-vos que a Igreja é um «hospital de campo». Curar, curar feridas, curar as almas, curar. A vossa primeira missão é esta: curar, curar os feridos.

A segunda palavra, que vos deixo nesta noite, é acompanhamento. Um bom pastor está constantemente presente no seu rebanho, guiando-o enquanto caminha a seu lado. Gosto de lembrar que o pastor deveria possuir o odor das ovelhas; mas também o odor de Deus. Não vos esqueçais: também o odor de Deus. Nos nossos dias, somos chamados a ser uma «Igreja em saída» a fim de levar a luz de Cristo a todas as periferias (cf. Evangelii gaudium, 20). Como bispos, as vossas vidas e o vosso ministério são chamados a conformar-se a este espírito de envolvimento missionário, sobretudo através das visitas pastorais regulares às paróquias e comunidades que formam as vossas Igrejas locais. Este é um meio privilegiado para acompanhar, como pais amorosos, os vossos sacerdotes no compromisso diário de fazer crescer o rebanho em santidade, fidelidade e espírito de serviço. Falei de acompanhar os sacerdotes: mantende-vos próximo dos sacerdotes; não esqueçais que o próximo mais próximo que um bispo tem, é o sacerdote. Que cada sacerdote não só conheça, mas sinta que ele tem um pai no bispo.

Pela graça de Deus, a Igreja no Myanmar herdou, daqueles que trouxeram o Evangelho a essa terra, uma fé sólida e uma ardente ânsia missionária do trabalho. Sobre estes fundamentos estáveis e em comunhão com os presbíteros e os religiosos, continuai a permear o laicado com o espírito dum autêntico discipulado missionário e a procurar uma sábia inculturação da mensagem evangélica na vida diária e nas tradições das vossas comunidades locais. A este respeito, é essencial a contribuição dos catequistas; o seu enriquecimento formativo deve permanecer para vós uma prioridade. E não esqueçais que os catequistas são os pilares da evangelização em cada paróquia.

Sobretudo quero pedir-vos um empenhamento especial no acompanhamento dos jovens. Velai pela sua formação nos sãos princípios morais que os guiarão ao enfrentar os desafios dum mundo ameaçado pelas colonizações ideológicas e culturais. O próximo Sínodo dos Bispos não tratará apenas destes aspetos, mas interpelará diretamente os jovens, escutando as suas histórias e envolvendo-os no discernimento comum sobre o modo como proclamar melhor o Evangelho nos anos futuros. Uma das grandes bênçãos da Igreja no Myanmar é a sua juventude e, em particular, o número de seminaristas e noviços. E por isso agradecemos a Deus. No espírito do Sínodo, por favor, envolvei-os e sustentai-os no seu percurso de fé, pois, através do seu idealismo e entusiasmo, são chamados a ser evangelizadores felizes e convincentes dos seus coetâneos.

A minha terceira palavra, para vós, é profecia. A Igreja no Myanmar dá testemunho diariamente do Evangelho, através das suas obras educativas e caritativas, da sua defesa dos direitos humanos, do seu apoio aos princípios democráticos. Oxalá possais colocar a comunidade católica em condições de continuar a ter um papel construtivo na vida da sociedade, fazendo ouvir a sua voz nas questões de interesse nacional, nomeadamente insistindo no respeito pela dignidade e os direitos de todos, particularmente dos mais pobres e vulneráveis. Tenho confiança que o quinquénio de estratégia pastoral, que a Igreja desenvolveu no contexto mais amplo da construção do Estado, produzirá fruto abundante não só para o futuro das comunidades locais mas também do país inteiro. Aludo especialmente à necessidade de proteger o meio ambiente e assegurar uma correta utilização dos ricos recursos naturais do país a bem das gerações futuras. A custódia do dom divino da criação não pode ser separada duma sã ecologia humana e social. De facto, «o cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros» ( Laudato si’, 70).

Queridos Irmãos Bispos, agradeço a Deus este momento de comunhão e rezo para que este nosso encontro nos fortaleça no compromisso de sermos pastores fiéis e servidores do rebanho que Cristo nos confiou. Sei que o vosso ministério é exigente e que muitas vezes sentis, tal como os vossos sacerdotes, «o cansaço do dia e o seu calor» ( Mt 20,12). Exorto-vos a manter o equilíbrio tanto na saúde física como na espiritual, e a preocupar-vos paternalmente com a saúde dos vossos sacerdotes.

E, falando de saúde espiritual, lembrai-vos do primeiro dever do bispo. Quando chegaram aos primeiros cristãos as queixas dos helenistas porque eram descuradas as suas viúvas e os filhos, os apóstolos reuniram-se e «inventaram» os diáconos. E Pedro, ao proclamar esta notícia, anuncia também o dever do bispo, nestes termos: «A nós, compete-nos a oração e o anúncio da Palavra» (cf. At 6, 1-6). A oração é o primeiro dever do bispo. À noite, no exame de consciência, cada um de nós, bispos, deverá interrogar-se: «Quantas horas rezei hoje?»

Queridos irmãos, exorto-vos a manter o equilíbrio na saúde física e na espiritual. Sobretudo encorajo-vos a crescer todos os dias na oração e na experiência do amor reconciliador de Deus, porque é a base da vossa identidade sacerdotal, a garantia da solidez da vossa pregação e a fonte da caridade pastoral com que conduzis o povo de Deus pelas sendas da santidade e da verdade. Com grande afeto, invoco a graça do Senhor sobre vós, sobre os sacerdotes, os religiosos e sobre todos os leigos das vossas Igrejas locais. Peço, por favor, que não vos esqueçais de rezar por mim.

E agora convido-vos a rezarmos todos juntos – vós em birmanês, eu em espanhol – a Ave Maria a Nossa Senhora.

[Ave Maria]

Abençoe-vos Deus Todo-Poderoso Pai, Filho e Espírito Santo.

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