Novo modo de olhar para o trabalho

Servir a Deus e ao próximo, essa deve ser a grande ambição, ao alcance de qualquer pessoa,em qualquer posto ou trabalho desempenhado na sociedade.

"Santificar o trabalho, santificar-se no trabalho e santificar os outros com o trabalho" foi o ensinamento marcante de monsenhor Josemaría Escrivá, fundador do Opus Dei, declarado bem-aventurado pela igreja em maio de 1992 e que poderá ser canonizado em data próxima, uma vez que, no último dia 20 de dezembro, o papa João Paulo II assinou o decreto de reconhecimento de milagre atribuído à sua intercessão. Neste dia 9 de janeiro, celebra-se o centenário do seu nascimento. A importância da data decorre do papel singular que teve na igreja ao difundir, a partir de 1928, o ideal de santificação no meio do mundo mediante o trabalho profissional. O papa Paulo VI disse, certa vez, que o fundador do Opus Dei foi precursor do Concílio Vaticano II, naquilo que o concílio teve de mais característico: o reconhecimento da "chamada universal à santidade".

Monsenhor Escrivá via o trabalho, primeiramente, como um serviço a Deus e ao próximo e depois como fonte de sustento, realização pessoal e reconhecimento social. "Serviço, disse — ainda que hoje a palavra não agrade —, porque toda tarefa social bem feita é isso; um serviço magnífico, tanto o trabalho da empregada doméstica como o do professor ou do juiz. Só não é serviço o trabalho de quem condiciona tudo ao próprio bem-estar" ("Questões Atuais do Cristianismo", nº 109).

Tal enfoque é chave mestra para entender e dar sentido pleno ao próprio trabalho e à posição ocupada na escala social, pois não há pessoas ou ocupações de segunda categoria diante de Deus. Como decorrência disso, torna-se possível enxergar a dignidade dos outros em suas tarefas, realizadas em nosso serviço, vendo-os como nossos iguais pela sua dignidade de filhos de Deus. Em sentido contrário, torna-se fácil o aviltamento do trabalhador, vendo nos demais apenas competidores a vencer, superiores a enganar ou subalternos a explorar, ligando-se a dignidade da pessoa e de seu trabalho ao poder que exerce e à renda que produz.

Escreveu monsenhor Escrivá que "se o cristão não ama com obras, fracassa como cristão, que é fracassar também como pessoa. Não podemos pensar nos outros homens como se fossem números ou degraus para nós podermos subir; ou massa para ser exaltada ou humilhada, adulada ou desprezada, conforme os casos. Devemos pensar nos outros (...) como verdadeiros filhos de Deus que são, com toda a dignidade desse título maravilhoso" ("É Cristo que Passa", nº 36.)

O trabalho, visto como serviço a Deus e ao próximo, ganha uma dimensão mais elevada e o sentido que falta nas vidas de tantos que desprezam o valor do que têm nas mãos. E esse sentido pleno é fonte de serenidade e alegria, indispensável para o sucesso da pessoa que trabalha, em todos os sentidos. Para o empresário, encarar o trabalho como um serviço será, por exemplo, incluir entre os objetivos do empreendimento, além do necessário rendimento, o atendimento às necessidades da comunidade e a geração de empregos. Para o empregado, será desempenhar cada tarefa consciente de que, de seu resultado, depende uma cadeia de benefícios, que afeta pessoas próximas e distantes e que termina em Deus, nosso principal espectador. Trata-se de uma perspectiva muito mais ambiciosa do que simplesmente cumprir o expediente, fazer o mínimo indispensável e envelhecer prematuramente torcendo pela chegada da aposentadoria.

Dizer "vou pro serviço" deveria significar, ao pé da letra: vou servir a Deus e ao próximo em tudo o que fizer. O ideal do bom "servidor público" deveria ser atender a cada demanda com toda a diligência possível, pela dignidade e consideração que merecem as pessoas em si mesmas, fazendo-o para agradar a Deus, que tudo vê e de quem todos são filhos. Isso é o que se espera de qualquer repartição, custeada, por sinal, com impostos, e isso é o que devemos oferecer, se nos cabe trabalhar numa delas.

Com essa perspectiva, também no relacionamento entre colegas, a mentalidade de serviço fica bem patenteada nesta sugestão de monsenhor Escrivá: "Proponho-te uma boa norma de conduta para viveres a fraternidade, o espírito de serviço: que, quando faltares, os outros possam levar para a frente a tarefa que tens entre mãos, pela experiência que generosamente lhes transmitas, sem te fazeres imprescindível" (Forja, nº 469).

Com efeito, é conhecida a mentalidade de tantos trabalhadores, da área pública ou privada, de esconder o próprio conhecimento, reputando como ingênua a transmissão de experiência que permitiria ao novato substituir, um dia, aquele que o ajudou a formar-se. Essa mentalidade, em outra vertente, acarreta prejuízos incalculáveis, pela ausência de continuidade nos projetos oficiais, pois cada governo só se preocupa com realizações que tenham a sua marca e levadas a cabo na própria gestão. É evidente o progresso que seria atingido com o respeito ao trabalho dos que nos precederam e com a preparação das pessoas que nos devem suceder.

Na mensagem de monsenhor Escrivá de viver o ideal de serviço encontra-se um novo modo de olhar para o trabalho, com raízes nos ensinamentos de Cristo, quando dizia aos seus apóstolos: "O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir". A expressão latina é ainda mais sugestiva: "Filius hominis non venit ministrari, sed ministrare" (Mt 20, 28). Daí a palavra "ministro", que significa "servidor". O próprio papa se denomina "servo dos servos de Deus", lema muito a propósito tanto para os ministros da igreja quanto para os que detenham qualquer parcela do poder político, econômico ou social.

Servir a Deus e ao próximo, essa deve ser a grande ambição, ao alcance de qualquer pessoa, em qualquer posto ou trabalho desempenhado na sociedade. Aí está a grandeza verdadeira, pois, como dizia monsenhor Escrivá: "Não há ânimo mais senhoril do que saber-se em serviço: em serviço voluntário a todas as almas! É assim que se ganham as grandes honras: as da terra e as do Céu" (Forja, nº 1.045).

Ives Gandra da Silva Martins Filho é ministro do Tribunal Superior do Trabalho

Ives Gandra Martins Filho // Correio Braziliense