Homilia de Bento XVI ante mais de 800.000 jovens

Publicamos a homilia de Bento XVI na Missa de encerramento das Jornadas Mundiais da Juventude, celebrada no recinto Marienfeld, perto de Colônia.

[Em alemão] Queridos jovens:

Diante da sagrada Hóstia, em que Jesus se fez pão para nós, que interiormente sustenta e nutre a nossa vida (cfr. Jo 6, 35), iniciamos ontem à tarde o caminho interior da adoração. Na Eucaristia a adoração deve chegar a ser união. Com a Celebração eucarística encontramo-nos naquela «hora» de Jesus, de que fala o Evangelho de João. Mediante a Eucaristia, esta sua «hora» converte-se na nossa hora, na sua presença no meio de nós. Juntamente com os discípulos Ele celebrou a ceia pascal de Israel, o memorial da ação libertadora de Deus que tinha guiado Israel da escravidão para a liberdade. Jesus observa os ritos de Israel. Pronuncia sobre o pão a oração de louvor e bênção. No entanto, acontece algo de novo. Ele dá graças a Deus não somente pelas grandes obras do passado; dá-lhe graças pela exaltação que se realizará mediante a Cruz e a Ressurreição, dirigindo-se aos discípulos também com palavras que contêm o compêndio da Lei e dos Profetas: «Isto é o meu Corpo entregue em sacrifício por vós. Este cálice é a Nova Aliança selada com o meu Sangue». E assim distribui o pão e o cálice, e, ao mesmo tempo, encarrega-os da tarefa de voltar a dizer e a fazer sempre em sua memória aquilo que diziam e faziam naquele momento.

O que está acontecendo? Como pode Jesus distribuir o seu Corpo e o seu Sangue? Fazendo do pão o seu Corpo e do vinho o seu Sangue, Ele antecipa a sua morte, aceita-a no mais íntimo e transforma-a num ato de um amor que se entrega totalmente. Esta é a transformação substancial que se realizou no Cenáculo e que estava destinada a suscitar um processo de transformações cujo último fim é a transformação do mundo até que Deus seja tudo em todos (cfr. 1 Cor 15, 28). Desde sempre os homens esperam no seu coração, de algum modo, uma mudança, uma transformação do mundo. Este é, agora, o ato central da transformação capaz de renovar verdadeiramente o mundo: a violência transforma-se em amor e, portanto, a morte em vida. Uma vez que este ato converte a morte em amor, a morte como tal está já, no seu interior, superada; nela já está presente a ressurreição. A morte foi, por assim dizer, profundamente ferida, tanto que, de agora em diante, não pode ser a última palavra. Esta é, para usar uma imagem muito conhecida para nós, a fissão nuclear levada no mais íntimo do ser; a vitória do amor sobre o ódio, a vitória do amor sobre a morte. Somente esta íntima explosão do bem que vence o mal pode suscitar depois a cadeia de transformações que pouco a pouco irão mudar o mundo. Todas as outras mudanças são superficiais e não salvam. Por isso falamos de redenção: aquilo que no mais íntimo era necessário já aconteceu, e nós podemos entrar neste dinamismo. Jesus pode distribuir o seu Corpo, porque se entrega realmente a si mesmo.

[Em inglês]

Esta primeira transformação fundamental da violência no amor, da morte na vida traz consigo as restantes transformações. Pão e vinho convertem-se no seu Corpo e Sangue. A transformação não pode deter-se quando se chega neste ponto, pelo contrário, é aqui onde deve começar plenamente. O Corpo e o Sangue de Cristo nos são dados para que, por sua vez, nós mesmos sejamos transformados. Nós mesmos devemos chegar a ser Corpo de Cristo, seus consanguíneos. Todos comemos o único pão, e isto significa passamos a ser uma só coisa. A adoração, dissemos, chega a ser, deste modo, união. Deus não está somente diante de nós como o Totalmente outro. Está dentro de nós, e nós estamos n’Ele. A sua dinâmica penetra-nos e, a partir de nós, quer propagar-se aos outros e estender-se a todo o mundo, para que o seu amor seja realmente a medida dominante do mundo. Eu encontro uma alusão muito bela a este novo passo que a Última Ceia nos apresenta na diferente acepção que a palavra “adoração” tem em grego e em latim. A palavra grega é proskynesis. Significa o gesto de submissão, o reconhecimento de Deus como a nossa verdadeira medida, cuja norma aceitamos seguir. Significa que a liberdade não quer dizer gozar a vida, considerar-se absolutamente autônomo; significa antes orientar-se segundo a medida da Verdade e do Bem, para chegar a ser, desta maneira, nós mesmos, verdadeiros e bons. Este gesto é necessário, mesmo quando a nossa ânsia de liberdade resiste, num primeiro momento, a esta perspectiva. Fazê-la completamente nossa só será possível num segundo passo, que a Última Ceia nos apresenta. A palavra latina adoração é ad-oratio, contato boca a boca, beijo, abraço e, portanto, amor. A submissão torna-se união, porque aquele a quem nos submetemos é Amor. Assim, a submissão adquire sentido, porque não nos impõe coisas estranhas, mas liberta-nos no mais íntimo do nosso ser.

[Em francês]

Voltemos de novo à Última Ceia. A novidade que aconteceu lá, estava na nova profundidade da antiga oração de bênção de Israel, que agora se tornava palavra de transformação e nos concedia poder participar na hora de Cristo. Jesus não nos encarregou a tarefa de repetir a Ceia Pascal, que, de resto, enquanto aniversário, não é repetível a bel prazer. Deu-nos o encargo de entrar na sua «hora». Entramos nela mediante a palavra do poder sagrado da consagração, uma transformação que se realiza mediante a oração de louvor, que nos situa em continuidade com Israel e com toda a história da salvação, e ao mesmo tempo nos concede a novidade para a qual apontava, na sua íntima natureza, aquela oração. Esta oração, chamada pela Igreja «oração eucarística», torna presente a Eucaristia. É palavra de poder, que transforma os dons da terra de modo totalmente novo na doação do próprio Deus e que nos compromete neste processo de transformação. Por isso chamamos Eucaristia a este acontecimento, que é a tradução da palavra hebraica beracha, agradecimento, louvor, bênção e também transformação a partir do Senhor: presença da sua «hora». A hora de Jesus é a hora em que o amor vence. Por outras palavras: é Deus quem venceu, porque Ele é Amor. A hora de Jesus deseja tornar-se a nossa hora e sê-lo-á, se nós, mediante a celebração da Eucaristia, nos deixarmos envolver por aquele processo de transformações que o Senhor pretende. A Eucaristia deve tornar-se o centro da nossa vida. Não é mero positivismo ou ânsia de poder, quando a Igreja nos diz que a Eucaristia é parte do Domingo. Na manhã da Páscoa, primeiro as mulheres e depois os discípulos tiveram a graça de ver o Senhor. Desde então souberam que o primeiro dia da semana, o Domingo, seria o dia d’Ele, de Cristo. O dia do início da criação seria o dia da renovação da criação. Criação e redenção caminham juntas. Por isso é tão importante o Domingo. É belo que hoje, em muitas culturas, o Domingo seja dia livre ou, juntamente com o sábado, constitua o chamado «fim de semana». Mas esse tempo livre fica vazio se nele não estiver Deus.

Queridos amigos! Às vezes, pode parecer, de início, um incômodo ter de incluir a Missa no programa de Domingo. Mas se vos empenhardes, vereis depois que é exatamente isso o que dá sentido ao tempo livre. Não vos deixeis dissuadir de participar na Eucaristia dominical e ajudai também os outros a descobri-la. Naturalmente, para que dela nasça a alegria que precisamos, devemos aprender a compreendê-la cada vez mais profundamente. Façamos esse propósito, pois vale a pena! Descubramos a íntima riqueza da liturgia da Igreja e a sua verdadeira grandeza: não somos nós que fazemos uma festa para nós, é o próprio Deus vivo quem prepara uma festa para nós. Com o amor à Eucaristia redescobrireis também o sacramento da Reconciliação, no qual a bondade misericordiosa de Deus sempre permite um novo recomeço na nossa vida.

[Em italiano]

Quem descobriu Cristo deve levar outros para Ele. Uma alegria grande não se guarda para si mesmo. É necessário transmiti-la. Em muitas partes do mundo existe hoje um estranho esquecimento de Deus. Parece que, sem Ele, tudo fica na mesma. Mas ao mesmo tempo existe também um sentimento de frustração, de insatisfação de tudo e de todos. Dá vontade de exclamar: não é possível que a vida seja isto! Realmente não. E deste modo, com o esquecimento de Deus existe como que um ‘boom’ do religioso. Não desejo desacreditar todas as manifestações desse fenômeno. Também aí se pode dar a alegria sincera da descoberta. Mas se esse fenômeno for levado longe demais, a religião quase se converte num bem de consumo. As pessoas escolhem o que agrada, e alguns sabem como fazer lucro com isso. Mas uma religião construída por um “faça você mesmo” acaba, no fim, por não nos ajudar. É cômoda, mas nos momentos de crise abandona-nos à nossa sorte. Ajudai os homens a descobrir a verdadeira estrela que aponta o caminho: Jesus Cristo! Procuremos nós conhecê-lo sempre melhor para poder também, de modo convincente, guiar os outros para Ele. Por isso é tão importante o amor à Sagrada Escritura e, em consequência, o conhecimento da fé da Igreja que nos mostra o sentido da Escritura. É o Espírito Santo quem guia a Igreja na sua fé crescente e a fez e faz penetrar cada vez mais na profundidade da verdade (cfr. Jo 16, 13). O Papa João Paulo II deixou-nos uma obra maravilhosa, em que a fé de sempre é explicada de modo sintético: o «Catecismo da Igreja Católica». Eu mesmo pude recentemente aprovar o «Compêndio» desse Catecismo, que foi elaborado a pedido do falecido Papa. São dois livros fundamentais que gostaria de recomendar a todos vós.

Vigília de oração em Marienfeld

[Em espanhol]

Obviamente, os livros não bastam por si mesmos. Construí comunidades baseadas na fé! Nas últimas décadas nasceram movimentos e comunidades em que a força do Evangelho se faz sentir com vigor. Procurai a comunhão na fé como companheiros de caminho que juntos seguem o itinerário da grande peregrinação que os Magos do Oriente nos assinalaram. A espontaneidade das novas comunidades é importante, mas também é importante conservar a comunhão com o Papa e com os Bispos. São eles que garantem que não se percorrem trilhos particulares, que garantem que se vive naquela grande família de Deus que o Senhor fundou com os doze Apóstolos.

[Em alemão]

Uma vez mais devo voltar à Eucaristia. «Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, porque todos participamos desse único pão» diz S. Paulo (1 Cor 10, 17). Desta maneira pretendeu dizer: uma vez que recebemos o mesmo Senhor e Ele nos acolhe e nos atrai a si, sejamos também uma só coisa entre nós. Isto deve manifestar-se na vida. Deve mostrar-se na capacidade de perdoar. Deve manifestar-se na sensibilidade para as necessidades dos outros. Deve manifestar-se na disponibilidade para partilhar. Deve manifestar-se no compromisso para com o próximo, tanto aquele que está ao nosso lado, como aquele que está fisicamente distante, que, no entanto, sempre consideramos perto. Existem hoje formas de voluntariado, modelos de serviço mútuo, que a nossa sociedade necessita com urgência. Não devemos, por exemplo, abandonar os anciãos na sua solidão, não devemos passar ao largo daqueles que sofrem. Se pensamos e vivemos em virtude da comunhão com Cristo, então os nossos olhos abrem-se. Então nos conformaremos em continuar a viver preocupados somente por nós mesmos, mas veremos onde e como somos necessários. Vivendo e agindo assim perceberemos muito em breve que é muito mais belo ser úteis e estar à disposição dos outros do que preocupar-se apenas com as comodidades que nos oferecem. Eu sei que vós, como jovens, aspirais a coisas grandes, que quereis comprometer-vos por um mundo melhor. Mostrai-o aos homens, mostrai-o ao mundo, que espera exatamente esse testemunho dos discípulos de Jesus Cristo, e que, sobretudo mediante o vosso amor, poderá descobrir a estrela que seguimos como crentes. Caminhemos com Cristo e vivamos a nossa vida como verdadeiros adoradores de Deus! Amém.

[Tradução para português a partir da versão oficial espanhola]

    Sala de Imprensa da Santa Sé