Discurso do Papa Bento XVI na Fazenda Esperança - Guaratinguetá - SP

Íntegra do pronunciamento proferido por Bento XVI no encontro com a comunidade de pacientes e de religiosas da ordem de Santa Clara, que trabalham na Fazenda Esperança, um centro de reabilitação de dependentes químicos localizado cerca de 176 Km de São Paulo.

 Queridos amigos e amigas,

Eis-Me finalmente na Fazenda Esperança!

1. Com particular afeto, saúdo ao Frei Hans Stapel, Fundador da Obra Social Nossa Senhora da Glória, também conhecida como Fazenda da Esperança. Desejo desde já congratular-me com todos vocês, por terem acreditado num ideal de bem e de paz que este lugar significa.

A todos que se encontram em fase de recuperação, bem como aos reabilitados, voluntários, famílias, ex-internos e benfeitores de todas as fazendas representadas nesta ocasião para encontrar-se com o Papa, digo: Paz e Bem!

Sei que aqui se encontram reunidos os representantes de diversos países, onde a Fazenda da Esperança possui sedes. Viestes ver o Papa. Viestes para ouvir e assimilar o que ele vos queria dizer.

2. A Igreja de hoje deve reavivar em si mesma a consciência da tarefa de repropor ao mundo a voz d’Aquele que disse: «Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida» (Jo 8,12). Por sua vez, a tarefa do Papa é renovar nos corações essa luz que não ofusca, pois quer iluminar o íntimo das almas que buscam o verdadeiro bem e a paz, que o mundo não pode dar. Um fulgor como este, só necessita de um coração aberto aos anseios divinos. Deus não força, não oprime a liberdade individual; pede só abertura daquele sacrário da nossa consciência por donde passam todas as aspirações mais nobres, mas também afetos e paixões desordenadas que ofuscam a mensagem do Altíssimo.

3. «Eis que estou à porta, e bato: Se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo» (Ap 3,20). São palavras divinas que tocam o fundo da alma e que removem até as suas raízes mais profundas.

Em um certo momento da vida, Jesus vem e toca, com suaves batidas, no fundo dos corações bem dispostos. A vocês, Ele o fez através de uma pessoa amiga ou de um sacerdote ou, possivelmente, providenciou uma série de coincidências para dizer que sois objeto de predileção divina. Mediante a instituição que os abriga, o Senhor proporcionou esta experiência de recuperação física e espiritual de vital importância para vocês e seus familiares. Além disso, a sociedade espera que saibam divulgar este bem precioso da saúde entre os amigos e membros de toda a comunidade.

Vocês devem ser os embaixadores da esperança! O Brasil possui uma estatística, das mais relevantes, no que diz respeito à dependência química de drogas e entorpecentes. E a América Latina não fica atrás. Por isso, digo aos que comercializam a droga que pensem no mal que estão provocando a uma multidão de jovens e de adultos de todos os segmentos da sociedade: Deus vai-lhes exigir satisfações. A dignidade humana não pode ser espezinhada desta maneira. O mal provocado recebe a mesma reprovação dada por Jesus aos que escandalizavam os “pequeninos”, os preferidos de Deus (cf. Mt 18, 7-10).

4. Mediante uma terapia, que inclui a assistência médica, psicológica e pedagógica, mas também muita oração, trabalho manual e disciplina, já são numerosas as pessoas, sobretudo jovens, que conseguiram livrar-se da dependência química e do álcool e recuperar o sentido da vida.

Desejo manifestar o meu apreço por esta Obra, que tem como alicerce espiritual o carisma de São Francisco e a espiritualidade do Movimento dos Focolares.

A reinserção na sociedade constitui, sem dúvida, uma prova da eficácia da iniciativa de vocês. Mas o que mais chama atenção, e confirma a validade do trabalho, são as conversões, o reencontro com Deus e a participação ativa na vida da Igreja. Não basta curar o corpo, é preciso adornar a alma com os mais preciosos dons divinos conquistados através do Batismo.

Vamos agradecer a Deus por ter querido colocar tantas almas no caminho de uma esperança renovada, com o auxílio do Sacramento do perdão e da celebração da Eucaristia.

5. Queridos amigos, não poderia deixar passar esta oportunidade para agradecer também a todos os que colaboram material ou espiritualmente para dar continuidade à Obra Social Nossa Senhora da Glória. Que Deus abençoe Frei Hans Stapel e Nelson Giovanelli Ros por terem acolhido o convite d'Ele para dedicarem sua vida a vocês. Abençoe também todos os que trabalham nesta Obra: os consagrados e as consagradas; os voluntários e as voluntárias. Uma Bênção especial vai para todas as pessoas amigas que a sustentam: autoridades, grupos de apoio e todos que amam a Cristo presente nestes seus filhos prediletos.

Meu pensamento vai agora a muitas outras instituições do mundo inteiro que trabalham para restituir a vida, e vida nova, a estes nossos irmãos presentes na nossa sociedade, e que Deus ama com um amor preferencial. Penso também nos muitos grupos de Alcoólicos Anônimos e de Narcóticos Anônimos, e na Pastoral da Sobriedade que já trabalha em muitas comunidades, prestando seus generosos auxílios em favor da vida.

6. A proximidade do Santuário de Aparecida nos assegura que a Fazenda da Esperança nasceu sob as suas bênçãos e o seu olhar maternal. Há muito que venho pedindo à Mãe, Rainha e Padroeira do Brasil, que estenda seu manto protetor sobre os que participarão na V Conferencia Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe. A presença de vocês aqui, supõe uma ajuda considerável para o sucesso desta grande assembléia; ponham suas orações, sacrifícios e renúncias no altar da Capela, certos de que, no Santo Sacrifício do Altar, estas ofertas subirão aos céus como um suave aroma na presença do Altíssimo. Conto com a ajuda de vocês. Que o Santo Frei Galvão e Santa Crescência amparem e protejam a cada um. A todos vocês abençôo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.

____________________________________________________________________

Discurso às religiosas:

“Louvado sejas, meu Senhor, por todas as tuas criaturas”

Com esta saudação ao Onipotente e Bom Senhor, o santo Pobrezinho de Assis reconhecia a bondade única do Deus Criador e a doçura, a força e a beleza que serenamente se espalham em todas as criaturas, tornado-as espelho da onipotência do Criador.

Este nosso encontro, queridas irmãs Clarissas, nesta Fazenda da Esperança, quer ser a manifestação de um gesto de carinho do sucessor de Pedro às irmãs de clausura e também um sereno murmúrio de amor que ecoa por estas colinas e vales da Serra da Mantiqueira e ressoe em toda a terra: "Não são discursos nem frases ou palavras, nem são vozes que possam ser ouvidas; seu som ressoa e se espalha em toda a terra, chega aos confins do universo a sua voz" (Sl 18,4-5). Daqui as filhas de santa Clara proclamam; "louvado sejas, meu Senhor, por todas as tuas criaturas! ".

Onde a sociedade não vê mais futuro ou esperança, são os cristãos chamados a anunciar a força da Ressurreição: justamente aqui nesta Fazenda da Esperança, onde estão tantas pessoas, principalmente jovens, que procuram superar o problema das drogas, do álcool e da dependência química, testemunha-se o Evangelho de Cristo no meio de uma sociedade consumista afastada de Deus. Quão outra é a perspectiva do Criador em sua obra! As irmãs Clarissas e outros religiosos de clausura - que, na vida contemplativa, perscrutam a grandeza de Deus e descobrem também a beleza das criaturas - podem, com o autor sagrado, contemplar o próprio Deus, embevecido, maravilhado diante de Sua obra, de Sua criatura amada: "Deus contemplou tudo o que tinha feito e eis que estava tudo muito bom!" (Gn 1, 31).

Quando o pecado entrou no mundo e, com ele, a morte, a criatura amada de Deus - embora ferida - não perdeu totalmente sua beleza: ao contrário, recebeu um amor maior: "Ó feliz culpa que nos mereceu um tão grande Redentor" - proclama a Igreja na noite misteriosa e clara da Páscoa (Exultet). É o Cristo ressuscitado que cura as feridas e salva os filhos e filhas de Deus, salva a humanidade da morte, do pecado e da escravidão das paixões. A Páscoa de Cristo une a terra e o céu. Nesta Fazenda da Esperança unem-se as orações das Clarissas e o trabalho árduo da medicina e da laborterapia para vencer as prisões e quebrar os grilhões das drogas que fazem sofrer os filhos amados de Deus.

Recompõe-se, assim, a beleza das criaturas que encanta e maravilha seu Criador. Este é o Pai todo-poderoso, o único cujo ser é o amor e cuja glória é o ser humano vivo - no dizer de Santo Irineu. Ele "tanto amou o mundo, que enviou o seu Filho" (Jo 3,16) para recolher o caído no caminho, assaltado e ferido pelos ladrões na estrada de Jerusalém a Jericó. Nos caminhos do mundo, Jesus é "a mão que o Pai estende aos pecadores; é o caminho pelo qual nos chega a paz" (anáfora eucarística). Sim, aqui descobrimos que a beleza das criaturas e o amor de Deus são inseparáveis. Francisco e Clara de Assis também descobrem este segredo e propõem aos seus filhos e filhas uma só coisa - e bem simples: viver o Evangelho. Esta é sua norma de conduta e sua regra de vida. Clara o expressou muito bem, quando disse às suas Irmãs: "Tende entre vós, minhas filhas, o mesmo amor com o qual Cristo vos amou" (Testamento).

É neste amor que Frei Hans convidou-as para serem a retaguarda de todo o trabalho desenvolvido na Fazenda da Esperança. Na força da oração silenciosa, nos jejuns e penitências, as filhas de santa Clara vivem o mandamento do amor a Deus e ao próximo, no gesto supremo de amar até o fim.

Isto significa jamais perder a esperança! Donde o nome desta obra de Frei Hans: "Fazenda da Esperança". Pois é preciso edificar, construir a esperança, tecendo a tela de uma sociedade que, no estender-se dos fios da vida, perde o próprio sentimento de esperança. Esta perda - no dizer de Paulo - é como maldição que a pessoa humana impõe a si mesma: "pessoas sem afeto" (Rm 1,31).

Caríssimas irmãs, sejam as proclamadoras de que "a esperança não decepciona" (Rm 5,5). A dor do Crucificado, que atravessou a alma de Maria ao pé da cruz, console tantos corações maternos e paternos que choram de dor por seus filhos ainda dependentes de drogas. Anunciem pelo silêncio oferente da oração, silêncio grandiloquente que o Pai escuta; anunciem a mensagem do amor que vence a dor, as drogas e a morte. Anunciem Jesus Cristo, humano como nós, sofredor como nós, que tomou sobre si os nossos pecados para deles nos libertar!

Estamos para iniciar a V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho, no Santuário de Aparecida - tão perto desta Fazenda da Esperança. Confio também em suas orações, para que nossos povos tenham vida em Jesus Cristo e todos nós sejamos seus discípulos e missionários. Rogo a Maria - a Mãe Aparecida, a Virgem de Nazaré - quem, no seguimento de seu Filho, guardava todas as coisas no seu coração, que as guarde no silêncio fecundo da oração.

A todas as irmãs de clausura, de maneira especial às Clarissas presentes a esta obra, minha bênção e afeto.