Álvaro del Portillo era um homem cheio de fortaleza, que criava um ambiente de paz

Apresentamos um artigo publicado a 16-I-2014 no jornal ABC (Madrid).

Juan Vicente Boo, correspondente no Vaticano

Os três últimos Papas incentivaram o seu processo de beatificação, que terá lugar em Madri a 27 de setembro

No dia 23 de março de 1994, João Paulo II ajoelhou-se num genuflexório e rezou perante o corpo sem vida de Álvaro del Portillo, falecido poucas horas antes. Tinha-se deslocado à sede central do Opus Dei para ver pela última vez um amigo, uma pessoa que, conforme afirmou naquele dia, “foi um exemplo de fortaleza, de confiança na providência divina e de fidelidade à sede de Pedro”.

O engenheiro, nascido em Madri, que será elevado aos altares no próximo dia 27 de setembro na sua cidade natal era, efectivamente, “um exemplo de fortaleza”. S. Josemaria, que o tinha escolhido como seu principal colaborador já no final dos anos 30, chamava-lhe “rocha”, “saxum”, em latim. Mas era uma rocha com um sorriso nos lábios, mesmo nos momentos mais difíceis. Uma pessoa serena, afável, que iradiava paz à sua volta.

Quando “D. Álvaro” - como lhe chamavam todos – faleceu, o Vaticano estava cheio de pessoas que o consideravam “o meu amigo”. Tinha começado a trabalhar na Santa Sé no tempo de Pio XII, e continuou a fazê-lo com os seus sucessores, com especial intensidade durante o Concilio Vaticano II, mas negando-se a receber promoções.

Na sua carta de condolências, o cardeal Josef Ratzinger afirmava que o seu trabalho “como consultor da Congregação para a Doutrina da Fé”, tinha contribuído para “enriquecer de modo singular” a Congregação, “com a sua competência e experiência, como pude comprovar pessoalmente”.

O processo de beatificação começou em 2004 durante o Pontificado de João Paulo II, foi incentivado por Bento XVI, e chegará a bom termo no próximo dia 27 de Setembro por decisão do Papa Francisco, que aprovou que a cerimônia tenha lugar em Madri nesse dia e seja presidida pelo Prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, Angelo Amato.

Várias vezes à beira da morte

Álvaro del Portillo nasceu em Madri em 1914 e esteve várias vezes prestes a morrer violentamente na sua cidade natal. A primeira vez foi em 1934, quando tinha 19 anos e ia dar aulas de catequese no bairro periférico de Vallecas. Um grupo de anti-religiosos exaltados atacou os catequistas e Álvaro levou um fortíssimo golpe na cabeça com uma chave inglesa. Conseguiu, com dificuldade, entrar num vagão de metrô que estava a fechar as portas, “talvez por isso, não me mataram”.

Em 1936, quando pertencia apenas há um ano ao Opus Dei, começa a guerra civil e tem de se refugiar na embaixada da Finlândia, mas as tropas de assalto irrompem e prendem os refugiados. Álvaro del Portillo, então Ajudante de Obras Públicas e estudante de Engenharia civil, acaba na prisão de San Antón, onde sofreu torturas e de onde saíam todos os dias pessoas para fuzilar, por vezes devido a uma seleção de mero capricho.

Posto em liberdade dois meses depois, passa ano e meio refugiado em apartamentos clandestinos e na legação das Honduras, até que se alista no exército para tentar escapar da zona republicana. Deserta duas vezes e alista-se três, com nomes diferentes, até que o enviam para a frente de Guadalajara, de onde consegue passar para o outro lado.

Os documentos do processo de beatificação sublinham que nunca guardou rancor, pois sabia perdoar. Tinha-o aprendido de sua mãe, Clementina, exilada em Espanha devido à revolução mexicana, que confiscara as propriedades da família. Também soube perdoar, ao longo de quarenta anos, os ataques contra São Josemaria e contra ele por ser o “número dois” do Opus Dei, até suceder ao fundador após o seu falecimento em 1975.

Além de Engenheiro civil era doutor em Filosofia e em Direito Canônico. Mas era, acima de tudo, sacerdote a partir de 1944 e bispo a partir de 1991. Os documentos do processo de beatificação revelam um homem forte, muito fiel a Sã Josemaria e extraordinariamente sacrificado no trabalho de formar os novos membros do Opus Dei e estender a atividade apostólica a dezenas de países. Criou numerosos centros de promoção social, em diversos países, e universidades de alto nível. Mas, acima de tudo, ensinou milhares de pessoas a amar a Deus e ao próximo, mesmo quando este não o merecia.

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