A partir de um nariz vermelho

Mirian mora em São Paulo e estuda Medicina. Como clown, mostra como amenizar o sofrimento dos doentes.

Moro em São Paulo, e estudo Medicina em Santo André. Em 2010, quando estava no 2º ano do curso, ingressei em um projeto de humanização hospitalar, liderado pelos estudantes de vários anos da Medicina, inspirados no Dr. Patch Adams, médico americano e clown, fundador do Instituto “Gesundheit!". O projeto, ONG desde 2012, chama-se Sorrir é Viver (www.sorrireviver.org) e atualmente forma estudantes de Medicina nas áreas de arte clown, contação de história e “musicantes", conforme a escolha e o número de vagas. Depois de formados numa dessas áreas, os estudantes se comprometem a atuar nos hospitais da faculdade, semanalmente, até o fim do 4º ano acadêmico.

Mirian atua como Clown desde o segundo ano da faculdade: “Descobri o meu clown. Você descobre, encontra dentro de si mesma, ao invés de inventar.

Em seis meses de aulas semanais, descobri o meu clown. Sim, você descobre, encontra dentro de si mesma, ao invés de simplesmente inventar um personagem que te agrade. Essa descoberta do próprio clown é um processo muito interessante, no qual você se vê obrigada a se conhecer melhor, pois o clown é o exagero do seu ridículo. Só reconhecendo o seu lado ridículo é que você pode exagerá-lo e este nem sempre é um processo fácil. O professor e os colegas podem te ajuda a “ver" o seu clown, de modo que você também descobre que os outros te enxergam de uma forma que pode não imaginar.

Após toda essa descoberta, com um nome e uma história de vida, passei a fazer visitas (as chamadas atuações) uma vez por semana, na área da Pediatria, em um dos Hospitais da faculdade. As atuações não são necessariamente para crianças, pois o clown interage com todas as idades, mas esta foi a área que eu escolhi. Com isso, fui percebendo a ferramenta para visitas sociais que a arte clown proporcionava, inclusive porque o clown não é só mais um ator que sai repetindo peças por aí. Também o faz, porém o clown é essencialmente um agente transformador de realidades, de modo que desenvolve a perspicácia de produzir assuntos, cenas, interações e diálogos simplesmente olhando ao seu redor ou baseado em temas populares que estão em voga em determinado dia.

Por trás da menor máscara do mundo, um nariz vermelho, aprendemos a olhar para o paciente de uma maneira que, muitas vezes, podemos esquecer quando vestimos um jaleco branco. Lembramos a importância do cuidar."

A arte clown, portanto, tem muito de improviso e pode, inclusive, prescindir do riso (nem todo clown precisa ser super engraçado), pois seu objetivo é transformar realidades. Para o clown, o acesso venoso transmite superpoderes às crianças e os profissionais vestidos de branco estão sempre prontos para o Ano Novo! A história de vida dos pacientes também nos interessa muito e cada detalhe nos chama a atenção. Por trás da menor máscara do mundo, um nariz vermelho, aprendemos a olhar para o paciente de uma maneira que, muitas vezes, podemos esquecer quando vestimos um jaleco branco. Lembramos a importância do cuidar.

Organizamos um curso de Arte Clown no Centro Cultural Aclimação.

Baseando-me em todo esse aspecto de autoconhecimento que é gerado, pensando na ferramenta especializada para ações sociais que teríamos e na possibilidade de conhecer pessoas novas, propus realizar um curso de arte clown para as meninas do Centro do Opus Dei que frequento desde pequena. Lá, dentre muitas outras coisas, aprendi que devemos compartilhar os talentos que recebemos, procurando, por exemplo, levar alegria a outras pessoas. Dessa maneira, pensei que a arte clown seria uma atividade interessante para as jovens do Centro Cultural Aclimação.

São Josemaria, o fundador da Obra, sempre incentivou a visita aos pobres como meio para descobrirmos a alegria de doar-se e servir ao próximo e, também, como meio para despertar gratidão em relação a nossa vida, ao nos depararmos com tudo que alguém (às vezes mais feliz que nós) pode carecer, seja material, intelectual ou espiritualmente.

Através das atividades do projeto EncantaDor, as voluntárias entendem que a caridade não consiste numa ajuda anônima e fria, mas em perceber os problemas dos outros e em torná-los próprios.

Quando iniciou o seu apostolado com universitários – em Madri, nos anos trinta – iniciou um costume, que logo tornaria universal: as «visitas aos pobres». Quer dizer, o costume de convidar jovens universitários – que costumavam ser de condição abastada – para visitar pobres e enfermos, fazendo-lhes companhia, prestando-lhes serviços e manifestando-lhes um carinho que os consolasse na sua solidão. Estas visitas eram um autêntico meio de formação para os jovens, que aprendiam assim a ver Cristo nas pessoas necessitadas e a tomar consciência da seriedade da vida. Nessa «escola» de generosidade, os jovens gravavam no coração a convicção de que a caridade não consiste em dar uma ajuda anônima e fria, mas em perceber os problemas dos outros e em torná-los próprios.

Para colocar essa ideia em prática no Centro, entrei em contato com a professora especializada em arte clown da ONG e fizemos um curso intensivo de cinco dias em dezembro de 2012, formando dez clowns. O curso aumentou a amizade entre todas, pois vivenciaram momentos de conhecimento e exposição de si mesmas juntas. Todas saíram muito felizes e satisfeitas. A partir de então, fazemos visitas a abrigos de crianças a cada dois meses, para que elas não guardem para si esse talento que desenvolveram. O meu professor dizia que, ao desenvolvermos o nosso clown, não podemos guardá-lo para nós mesmos, pois seria um ato egoísta com o mundo. As meninas ficaram muito felizes, por exemplo, quando fomos a um abrigo de crianças como clowns e, na hora de irmos embora, as crianças se abraçaram em nossas pernas e não queriam deixar-nos ir de jeito nenhum.

Em dezembro de 2013, realizamos novamente o curso de clown e, desta vez, também um de contação de história, contratando mais uma professora, também da ONG. Desde então, demos nome a esta vertente do Centro Cultural como Projeto EncantaDor. Apesar de não fazermos apenas visitas a doentes ou necessitados, já que também proporcionamos bons momentos a nossos amigos e familiares, demos esse nome baseando-nos no fato de que mesmo pessoas sadias têm suas dores interiores que podem ser amenizadas ao deparar-se com um nariz vermelho ou com uma boa contação de história.

Clowning is a trick, to bring love close." (Patch Adams)